Em uma ditadura onde a censura pintava o cenário cultural com tons de medo, o trio Secos & Molhados surgiu como um grito libertador. Com maquiagem, figurinos ousados e performances teatrais, Ney Matogrosso, João Ricardo e Gerson Conrad ousaram desafiar os limites impostos pelos militares. Muito antes de o movimento punk e do rap explodirem com suas críticas diretas, os Secos & Molhados mostraram que a resistência também pode ser estética e poética.
Na tarde de 10 de fevereiro de 1974, o Maracanãzinho foi palco de um momento que ressoaria por gerações. Ney Matogrosso, ao ver a truculência policial contra os fãs, interrompeu o show para exigir que o público fosse respeitado. Esse ato de coragem ecoa até hoje, semelhante às batalhas travadas pelo punk e pelo rap contra as desigualdades sociais e a repressão estatal.
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Secos e Molhados no show do Maracanãzinho, 1974. Fonte: Revista TRIP |
Do “banquete antropofágico” à poesia política.
Com versos musicados de poetas como Vinícius de Moraes e Solano Trindade, o Secos & Molhados adotou a literatura como arma. Assim como os punks utilizariam letras rasgadas para confrontar o sistema e o rap empunharia rimas como espadas contra a desigualdade, o trio brasileiro uniu a arte e a política em uma dança subversiva.
Musicar poemas foi uma estratégia engenhosa para driblar a censura. Enquanto o punk gritava “No Future” e o rap denunciava “The Message”, o Secos & Molhados cantava “Rosa de Hiroshima”, expondo a brutalidade da guerra. A essência era a mesma: desafiar o poder com palavras carregadas de significados.
Se o punk rasgou camisetas e o rap encheu os becos com grafites, o Secos & Molhados inaugurou um visual revolucionário. A capa de seu primeiro disco, onde suas cabeças aparecem sobre uma mesa como pratos em um banquete antropofágico, carrega o mesmo espírito de provocação cultural que une todas essas vertentes.
A maquiagem de Ney Matogrosso e as performances do grupo ecoam na teatralidade de artistas punks como David Bowie e no poder de cena dos rappers que transformam o palco em território de resistência. Essa estética desafiadora fez do grupo um símbolo atemporal de ousadia.
Uma herança contestadora
Embora tenham durado apenas dois anos, os Secos & Molhados deixaram um legado que transcende épocas. Sua postura desafiadora abriu caminhos para a chegada do punk e do rap, movimentos que continuam a questionar o status quo. Se o punk é a raiva do trabalhador explorado e o rap é a voz da periferia, o Secos & Molhados foi a fagulha poética que iluminou esse caminho.
Com seu som ousado e letras potentes, o trio provou que a música pode ser arma e escudo. Ao olhar para trás, vemos como sua rebeldia reverbera no punk e no rap, mostrando que, no fundo, o espírito contestador é universal e atemporal. Como canta Ney Matogrosso: “Sangue latino, com certeza. Pois o sangue que corre em nossas veias é o mesmo que pulsa no grito por liberdade.”
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