Nelson Triunfo: A Lenda Viva da Cultura Hip Hop no Brasil

Nelson Triunfo é muito mais do que apenas um nome na história da dança de rua e do Hip Hop no Brasil. Conhecido como "o homem-árvore" por sua inconfundível cabeleira volumosa e icônico estilo de dança, ele é um verdadeiro pioneiro na popularização do movimento em nosso país, um ativista cultural e uma lenda viva que influenciou diversas gerações de artistas e dançarinos. Sua trajetória é marcada por lutas, conquistas e uma paixão inabalável pelas ruas e suas manifestações artísticas.

As Origens em Triunfo, Pernambuco

Natural de Triunfo, uma pequena cidade no interior de Pernambuco, Nelson nasceu em 28 de outubro de 1954 e desde cedo sentiu uma conexão profunda com a música e a dança. Na infância, já mostrava inclinação para o ritmo, inspirado por movimentos do corpo e batidas que ecoavam na cultura popular do Nordeste brasileiro. Durante sua adolescência, foi apresentado à música de James Brown, o rei do soul, cuja influência seria determinante para o seu futuro. A força e o impacto da música de Brown inspiraram Nelson a se aventurar no universo da dança, que ainda estava longe de ser reconhecido ou valorizado no Brasil.

Nelson Triunfo em sua juventude. Foto reprodução.

A Jornada para o Sul: O Início de uma Revolução Cultural

O primeiro palco que Nelson se apresentou foi na Bahia, em 1973, no evento Coliseu Show, no Teatro Coliseu, na cidade de Paulo Afonso. Após passar por diversos estados, Nelson chegou a São Paulo em 1977, trazendo na bagagem o desejo de expressar sua arte e conquistar novos horizontes. A capital paulista, um polo multicultural efervescente, tornou-se o cenário perfeito para a sua explosão artística. Era a época das discotecas, e a música negra – funk, soul, e disco – estava em alta. Bares e discotecas voltadas para a música black estavam espalhadas por todo o eixo Rio-São Paulo, e as pistas de dança tornaram-se verdadeiros campos de batalha, onde artistas e dançarinos testavam sua popularidade.

Na primeira foto, Nelson aos 16 anos, em Triunfo, particioando das festividadesda cutilada; Na terceira foto, Nelson em 1974 na Ceilândia, no DF; E na terceira foto, Nelsão em 1973 em Paulo Afonso na Bahia. Todas as fotos são so arquivo pessoal do artista. 

Nelson logo começou a se destacar nesses bailes, especialmente em São Paulo, onde sua presença magnética atraía a atenção de todos. Ganhou o apelido de "homem-árvore" graças à sua impressionante cabeleira, que balançava ao ritmo dos seus movimentos ágeis e acrobáticos. Ele frequentava regularmente os bailes e festas black, tornando-se uma figura central na comunidade cultural que estava se formando em torno da música negra.

Os Primeiros Passos e o Nascimento do Funk Cia

A paixão de Nelson pela dança o levou a formar seu primeiro grupo, os Invertebrados, mas foi com o Funk & Cia que ele realmente consolidou seu lugar na cena cultural de São Paulo. Juntamente com outros talentosos dançarinos como Pierre César e Formigão, Nelson formou o trio conhecido como Black Brothers, que depois passou a ser chamado de Funk Cia – nome inspirado em uma música do cantor Miguel de Deus. O grupo se tornou rapidamente popular no circuito black soul, acompanhando grandes nomes da música brasileira como Tim Maia, Jorge Ben, Tony Tornado e Sandra de Sá.

Nelsão e sua gang no centro de São Paulo. Foto Frank de Assis/Reprodução

O Funk & Cia se destacava não apenas pelas coreografias precisas, mas também pela criatividade na execução dos movimentos. Misturavam funk, soul e elementos do que viria a ser o breaking, criando um estilo próprio que atraía multidões. Em 1978, o grupo teve a oportunidade de abrir o show de James Brown, que foi organizado pela equipe Chic Show no ginásio da Sociedade Esportiva Palmeiras em São Paulo. Esse evento não só consolidou o Funk & Cia como uma referência na dança de rua, mas também pavimentou o caminho para a difusão da cultura hip hop no Brasil.

Nelson se emergindo no meio do público do Ginásio do Palmeiras em baile da Chic Show em evento com o mestre James Brown.

A Praça Ramos e a Primeira Geração de B-Boys Brasileiros

Na virada para os anos 80, a Praça Ramos de Azevedo, em frente ao Theatro Municipal de São Paulo, tornou-se o epicentro da cena de dança urbana. Era lá que Nelson Triunfo e os membros do Funk & Cia se apresentavam ao ar livre, misturando o funk com a nova febre que chegava dos Estados Unidos: o breaking. A praça se tornou um verdadeiro ponto de encontro para jovens dançarinos e curiosos que queriam ver de perto a novidade que chamava a atenção por seus movimentos audaciosos e energéticos.

Para alimentar os boombox com pilhas, Nelson passa o chapéu para arrecadar uns trocos. Foto Reprodução

Nelson e o Funk & Cia incorporaram os passos de breaking ao seu repertório, fazendo apresentações que reuniam centenas, às vezes milhares de pessoas ao redor. A mídia, que inicialmente ignorava o movimento, começou a se interessar pela novidade. Em pouco tempo, o Funk & Cia estava na televisão, em programas de auditório como o Show de Calouros, de Silvio Santos, Raul Gil e Flávio Cavalcanti. O grupo também passou a se apresentar em festas e clubes por todo o Brasil, levando a dança de rua a um público ainda maior.

Nelson Triunfo e com a Funk & Cia no Show de Calouros do Sílvio Santos em 1981. Foto retirada de vídeo postado po DJ Luiz, O Pré-Histórico.

A Evolução do Funk Cia e o Reconhecimento Nacional

Com o sucesso, o Funk & Cia passou por algumas mudanças na formação. Dançarinos entravam e saíam do grupo, e novos talentos eram incorporados. O grupo se manteve ativo durante os anos 80, alcançando uma grande notoriedade com a participação na abertura da novela "Partido Alto", da Rede Globo, em 1984. A novela teve um impacto significativo na popularização do breaking e do hip hop no Brasil, apresentando a dança de rua ao grande público.

Capa do LP da novela Partido Alto com os dabçarinos da Funk & Cia. Eles também fizeram o vídeo de abertura da novela. Foto Som Livre.

Naquela época, Pierre César, um dos cofundadores do Funk & Cia, inaugurou a primeira academia de breaking do país em São Paulo, o que marcou um avanço importante para o reconhecimento da dança como arte e esporte. A Funk & Cia também continuou a fazer história ao lado de outros artistas, participando de videoclipes e apresentações de nomes consagrados como Gilberto Gil.

A Pausa nos Anos 90 e o Retorno à Atividade

Com a ascensão do gangsta rap nos anos 90, que trouxe uma abordagem mais agressiva e crítica ao Hip Hop, o espaço para o estilo mais dançante e festivo da Funk & Cia foi diminuindo. Os integrantes seguiram caminhos diferentes, dedicando-se a projetos pessoais, mas a marca do grupo nunca foi esquecida. Nelson Triunfo, fiel à sua missão de promover a cultura de rua, continuou dançando e realizando oficinas, sempre buscando manter viva a chama do Hip Hop.

A Funk & Cia voltou à cena no final dos anos 90 e início dos 2000, com uma formação renovada e incorporando elementos contemporâneos ao seu repertório. Nessa fase, o grupo contava com novos integrantes, como MC Jo e DJ Davi, que trouxeram uma pegada mais moderna e diversificada ao som do Funk Cia. As apresentações continuaram, e o grupo participou de diversos programas de TV, incluindo o icônico programa do Jô na Rede Globo.

Nelson Triunfo: Símbolo de Resistência e Inspiração

Hoje, Nelson Triunfo é reconhecido como um dos maiores ícones da cultura Hip Hop no Brasil. Aos 70 anos, ele mantém a mesma energia e paixão pela dança que o tornaram famoso há décadas. Nelson recebeu inúmeros prêmios e homenagens ao longo de sua carreira, incluindo o título de Cidadão Paulistano e a imortalização de seu nome na "pedra fundamental" do hip hop brasileiro na Rua 24 de Maio, onde a história do movimento começou em São Paulo.

Nelson Triunfo recebendo o título de Cidadão Paulistano mm 2008. Também recebeu o título de comendador da Ordem do Mérito Cultural, reconhecimento máximo do Ministério da Cultura.

Além de dançar, ele se envolveu profundamente com o ativismo social, trabalhando em projetos comunitários e oficinas culturais, especialmente voltados para jovens de periferia. Sua biografia já foi tema de documentário e livro, mostrando a trajetória de um homem que superou obstáculos e preconceitos para se tornar um embaixador da cultura de rua.

O Legado de Nelson Triunfo e do Funk Cia

A influência de Nelson Triunfo e da Funk & Cia é imensurável. Eles foram pioneiros na introdução e popularização do breaking e da dança de rua no Brasil, abrindo caminho para a formação de uma cultura hip hop genuinamente brasileira. O legado de Nelson pode ser visto nas gerações de b.boys, MCs, DJs e grafiteiros que continuaram a expandir os horizontes da cultura urbana no país.

Placa indicando o Marco Zero do Hip Hop em São Paulo,
localizada no cruzamento das ruas Don José de Barros e 24 de Maio.
Foto retirada do site Vai Ser Rimando em matéria assinada por Carlos André Pereira

Nelson Triunfo não é apenas um dançarino ou um artista; ele é um símbolo de resistência e autenticidade, um exemplo de que é possível transformar a realidade por meio da arte e da cultura. A sua história é a prova viva de que o hip hop é mais do que um movimento, é uma forma de vida que transcende gerações, levando consigo mensagens de luta, liberdade e expressão.

Mesmo com o passar do tempo, Nelson Triunfo segue dançando, ensinando e inspirando. Ele continua a ser uma figura fundamental na história do hip hop brasileiro, uma lenda viva que mantém a cultura de rua pulsando em cada passo, cada movimento e cada batida que ecoa nas periferias do Brasil.

Nelson Triunfo em click de Ricardo Bastos durante a 16ª Marcha da Consciência Negra em São Paulo

esse texto foi inspirado no vídeo: Nelson Triunfo e Funk Cia (biografia do grupo) do canal Musikako.