Essa é pra tocar no baile!
Sabe qual é a diferença de uma festa bacana para uma festa de bacana? Nesse segundo episódio de BNegão e Os Seletores de Frequência, disco que sucede o aclamado debute Enxugando Gelo, os cariocas dão a letra. Sintoniza Lá é um caldeirão de influências temperado por funk, soul, rap, dub, rock e samba. Nesse álbum, Bernardo e sua banda se mostram inquietos e sem vontade alguma de permanecer em uma zona de conforto. É como se os selectas entraram na frequência ideal da boa música e agora fazem o convite para os ouvintes: sintoniza lá!
Com produção do baterista Pedro Garcia, hoje membro do Planet Hemp, o disco abre com a faixa “Alteração (Éa!)”, um funk groovado que desencadeia em um verdadeiro bailão, com letra que aborda as propriedades terapêuticas da música:
“A música gerada pra gerar alteração positiva
Equipe de construção na ativa, na estiva
De espírito pra espírito, de alma pra alma
Sigo convicto na tentativa de manter a calma
Mesmo tando no olho do furacão
Mesmo quando o coração aperta
Mesmo com o planeta em estado de alerta
Seguindo no desafio de manter a mente quieta
A espinha ereta e a cabeça no lugar”
Na sequência temos a faixa “O Mundo (Panela de Pressão)” e como o título sugere trata-se de uma análise do cotidiano nos tempos em que vivemos. O disco foi lançado em 2012, 10 + 1 anos atrás, mas segue como se essa letra tivesse sido escrita na manhã de hoje. O baixo potente e os metais hipnóticos dão o tom dançante a letra reflexiva de Bernardo:
"Desde que o mundo é mundo ele nunca foi brinquedo
Enquanto uns choram outros se apressam pra vender o lenço
Isso nunca foi segredo
Te vendem remédio, plano de vida
Especulando com seus medos
Nos livros Sagrados já tava escrito a muito tempo
Qual vai ser a desse enredo, até o final.
O mundo.
O mundo, Panela de Pressão."
A terceira faixa é uma continuação direta da anterior: “Reação (Panela II)”. A construção musical inicia-se com um dub e reggae raiz, hora caindo para o ragga até se assumir como um riddim hipnotizante.
"Se a panela tá apitando
Se as coisas tão esquentando
Se os trovões tão batucando
E os raios tão caindo perto
Se a panela tá apitando
Aqueles tempos tão chegando
As crises se proliferando
Como a sede no deserto"
Seguindo temos “Proceder/Caminhar”, um funk cheio de balanço com um instrumental à la Tim Maia. Uma faixa com cara de Planet Hemp. Com um ritmo forte e pulsante, essa música fala sobre a importância de seguir em frente e agir, mesmo diante das dificuldades e do medo.
“A informação é o alicerce
Sigo na fé, sigo na prece
Enquanto chega mais um teste, irmão
Agricultura orgânica, agricultura celeste
Enquanto a ignorância cresce
Enquanto o gelo se derrete”
“Vamo!”, é a favorita de muitos. Um dub-jazz suingado com baixo potente e letra que fala sobre os ensinamentos da vida e como essa de ser vivida e evoluída.
“Pois é, se tu tá no maior Saara
Tomando sopa de garfo com o bico seco
Morando em cima do sapato ou não
Tá na hora de recarregar as baterias
Energizar as ideias e partir pra cima
Partir pra vida
Seguindo na missão
Na missão evolução, irmão
Conserve a esperança viva dentro do seu coração”
A mais dançante do álbum, “Essa É Pra Tocar No Baile”, nos transporta para um baile funk dos anos 80 na periferia carioca e como título entrega, fala sobre a importância da música como uma forma de unir as pessoas e de celebrar a vida, com BNegão convocando o público para dançar. Uma homenagem aos bons ouvidos:
“Essa é pra quem fica à vontade dentro das frequências
Pra quem se mexe à vontade na verdade, da frequência grave
Essa é pra quem soma no groove
É pra quem faz a sua micro parte pra que alguma micro coisa no mundo mude
Em qualquer lugar ou dia da semana
Quem conhece não se engana
Eu disse essa é pra quem sabe
Que a diferença entre uma festa de bacana e uma festa bacana
Não é mero detalhe”
Tem hardcore também no meio do groove! A pancada vem em “Subconsciente”, uma faixa instrumental que destoa do tom do disco, mas que serve para lembrar o caldeirão de influências que o disco Sintoniza Lá é. Aqui é posta à prova a versatilidade dos Seletores de Frequência.
A música de número oito é “Na Tranquila” e desacelera o álbum (para acelerar novamente na faixa seguinte). Nesse instrumental com baixo marcante, guitarra envolvente e metais únicos que se fundem a uma bateria gostosa que deixa tudo na tranquila, se opondo ao hardcore ouvido anteriormente.
Outro bailão é “Chega Pra Somar No Groove”, suingado por riffs e metais vibrantes e baixo que rasga no grave. Groovão classudo com destaque para o coro feito pelos Seletores de Frequência que contrasta com a voz rouca de BNegão. Um ode ao groove:
“Na versatilidade do som, na qualidade
Na comunidade ou em comunidade, cumpadi
No campo ou na cidade é assim
Seja em dia de sol ou dia de tempestade
Cada som é parte plena da soma
Na medida no dom na qualidade
Cada dom é parte plena da soma
Cada um, cada som, cada ser
Cada som é parte plena da soma”
A penúltima faixa é “Bass Do Tambô”, um funk rápido groovado e cheio de suingue com sopros que homenageiam os tambores. Bernardo fala sobre o som ancestral dos tambores e como a música possui propriedades medicinais enquanto divide seu vocal entre o rap, o dub e o punk:
“Canta pra subir, sobe lá pra ver
Decidir pra ver qual vai ser
Sente a vibração nascida do som
Canta pra subir, ergue pra seguir
Segue pra viver, sente o tempero
Os metais em brasa faiscando
O som tá na panela e o fogo tá aceso
Bastou uma fagulha e tava acesa a lenha
Bate o tambor que do baile ela tem a senha
Tem mais informação, buscando inovação, real revolução”
Fechando o disco vem a faixa-título. "Sintoniza Lá" é um reggae raiz que se inicia com riffs cadenciados e bateria marcando – performada por Bruno Buarque -, até o sopro dos metais roubarem a cena. Em seguida entra a voz de BNegão cantando sobre a importância de sintonizar com o mundo ao nosso redor e estar consciente das mudanças sociais que precisam ser feitas.
“Bota as ervas pra queimar
Pra defumar o ambiente
Surfando pelas vibrações do mundo
Eu sigo na batida, sigo no assunto pertinente
Mantendo o mistério por intermédio das suas caixas de som
Isso é barulhinho bom saindo do seu estéreo
Mantenho o bom humor mesmo quando eu falo sério”
Formado por Fábio Kalunga no contrabaixo, Robson Riva na bateria, Pedro Selector no trompete e teclados, Fábio Moreno na guitarra e Bblack vulgo BNegão na voz e produção executiva, o disco Sintoniza Lá foi gravado e mixado pelo Pedrinho Garcia que ao lado de Gustavo Lenza assina a mixagem do álbum enquanto Fernando Sanches foi o responsável pela master. Para conceber o projeto, a banda passou por quatro estúdios: Boombox, Superfuzz, Canto Do Trilho e o YB Music.
A variedade de ideias para instrumentais e arranjos, sempre dentro desse tempero do funk, e ode à black music, ao baile e música ancestral faz com que Sintoniza Lá seja um álbum poderoso e engajado, com forte mensagem social e política, ao mesmo tempo em convida os ouvintes a dançarem e celebrarem a vida.
BNegão e os Seletores de Frequência mostram uma grande habilidade na criação de músicas que misturam diversos elementos musicais, criando uma atmosfera envolvente com o gingado e a confusão urbana e que em muito relembra uma celebre frase de Chico Science: “Diversão levada a sério”.
Postar um comentário
0Comentários