Um bate papo com Roberto Ruiz Sena, o Malungo, livreiro, radialista, jornalista, escritor e afroargentino que diariamente trava sua luta antiracista no país vizinho. Nessa entrevista, Malungo nos passa a visão de como é ser negro na Argentina.
Submundo do Som - Primeiramente Malungo, muito obrigado por falar conosco. Gostaria que você começasse se apresentando e explicando o nome "Malungo".
Malungo - Meu nome verdadeiro é Roberto Ruiz Sena, 49 anos, afro-argentino, nascido em Buenos Aires, Argentina, militante antirracista desde a adolescência, co-apresentador da Rádio Paladar Negro, também dirijo a emissora independente afrocêntrica publicação trimestral chamada Página Negra Revista e sou o criador da primeira biblioteca itinerante afrocentada da história do nosso país, chamada Malungo Libros, que começou a funcionar há exatamente um ano no Parque Centenário, C.A.B.A., mas nascemos como um empreendimento em 2012 , logo quando completamos 10 anos pudemos inaugurar nossa sede permanente. A respeito da palavra "malungo" a história conta que em um dialeto africano, acredita-se Kimbundu, nas naves sinistras mal denominadas negreiros, um escravizado colocava a mão no ombro de outro e como que para confortá-lo dizia: "malungo logo voltaremos com nossas famílias, malungo logo estaremos bem, malungo voltaremos a ser livres, voltaremos para nossa terra", malungo é sinônimo de amigo, camarada, parceiro, por sua vez significa parceiro na desgraça, é por isso que nomeei meu empreendimento dessa maneira em 6/11/12.
Submundo do Som - Irmão, você é um afro-argentino que mora em Buenos Aires. Como é ser negro na Argentina e como se organiza a comunidade negra no país?
Malungo - Infelizmente, há muita divisão, os negros não funcionam como um bloco sólido, se um de nós é tocado, todos somos tocados, esse deveria ser o lema mas não é, não funciona assim, é muito difícil conseguir a união, do microfone, do gráfico, do nosso espaço de resistência que é o Malungo Libros vivemos lutando pela união mas parece impossível, ainda não conseguimos nem criar uma agenda conjunta com 10 ou 5 pontos básicos para a comunidade afrodescendente, é muito doloroso. Ser negro em Buenos Aires é como em qualquer outro lugar, você sofre assédio policial, na hora de conseguir um emprego, assim que descobrem que você mora em uma vila, você já é descartado, sofre muito com o racismo estrutural em todos os níveis do Estado, Embora o ser humano infelizmente se acostume com tudo, o preconceito acima de tudo significa que pela cor da sua pele muitas portas não se abrem para você do que para outros, não negros, sim.
Submundo do Som - Na final da Copa do Mundo de 2022, entre Argentina e França, o Brasil estava estava dividido. Muitos, como eu, torceram pela Argentina, não só pelo Messi (que é muito merecedor), mas também pelo país vizinho e irmão e pela união latino-americana. Outros apoiavam a França porque gostavam de Mbappé ou pela rivalidade entre Argentina e Brasil no futebol. Porém, muitos aplaudiram os franceses sob o argumento de que a Argentina não merece a torcida brasileira por ser um país racista. Mas como você vê essa questão do ponto de vista dos brasileiros sobre os argentinos?
Malungo - A rivalidade com o Brasil é só no futebol, não vai além disso. O argentino médio, sem cultura, desclassificado e sem militância pode tomá-lo como inimigo, com ódio. Não é o meu caso, tive a oportunidade de morar em no Rio de Janeiro em meados dos anos 90 e eu me diverti muito, até torci para El Flu (Fluminense), todos meus amigos eram do Fla (Flamengo). Acho que uma rivalidade cruel e verdadeira, além do futebol, é com o Chile, é sempre treta jogar lá e muitas coisas aconteceram entre os dois países, houve até mortes, por problemas de fronteira, com as Malvinas e outras parada que todos já sabemos. Acho que em relação ao futebol, Argentina e Brasil são dois estilos diferentes, nem melhor nem pior, vejo nitidamente que nos últimos anos o Brasil abriu para os clubes trazerem jogadores argentinos, antes isso era impensável. Veja bem, eu, por exemplo, sou torcedor do San Lorenzo e um dos meus maiores ídolos é e sempre será o Paulo Silas, um jogador extraordinário e uma excelente pessoa.
Submundo do Som - Posso estar errado, mas não vejo argentinos chamando outros sul-americanos negros, como equatorianos ou colombianos, de "macaquito". Acho que esse apelido tem mais a ver com uma forma pejorativa de se referir aos brasileiros pela forma como pulam e comemoram os gols, do que pela questão da raça e cor da pele. Estou enganado?
Malungo - Sim, está equivocado! Eu acho que "macaquito" é um termo racista sim. Um afro é associado a um macaco, um jogador brasileiro branco não seria chamado de macaco. Uma vez, um jornal esportivo chamado OLÉ, similar ao jornal Lance! aí do Brasil, veio com a manchete: "Que venham os macacos" em alusão à seleção brasileira. O redator-chefe do jornal teve que sair para se desculpar. Geralmente esse tipo de jornalismo esportivo é uma merda. O ambiente do futebol, infelizmente é assim: violento, racista, xenofobico, homofobico etc etc. Trazem à tona o que há de pior em uma sociedade doente, vivem jogando lenha na fogueira. A Argentina é racista? Sim! Que país não é? França? HAHAHA! Os franceses estão nas primeiras posições quando o assunto é ser racista.
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Recorte do diário esportista Olé! com manchete racista |
Submundo do Som - Irmão, para finalizar, muitos dizem que os argentinos são um povo que se acredita europeu, certamente referindo-se à elite do país. A elite brasileira acredita no mesmo e os brasileiros não conhecem o povo pobre e sofrido da Argentina que sobrevive dia após dia. Que comentário você faz sobre isso?
Malungo - O argentino médio acredita que é europeu, não quer saber nada do indígena ou afro. Mesmo os afros negam. Tem muito desclassificado, muita ignorância, pouca consciência. Eu fui um favelado a vida toda, alguns anos atrás eu consegui sair do gueto, sai da vila para alugar uma casinha e tentar viver um pouco melhor, mas não me acho superior por isso. Se eu ficar doente amanhã, com certeza vão me demitir do meu emprego e se não conseguir pagar o aluguel vão me despejar do apartamento e terei que voltar para a vila. Essa é a nossa vida, não foge da realidade latino-americana, muitos dos meus amigos são das favelas do Rio e eu os amo, não os trocaria por nada no mundo, eles sentem o mesmo que eu, também não acredito muito em nacionalidades, acredito na Pátria Grande. Mas o argentino médio faz parte da massa de desclassificados, da mediocridade reinante e, geralmente sem saber o que é isso, são de direita.
Submundo do Som - Por fim, deixe uma indicação musical e suas redes sociais e muito obrigado!
Malungo - Eu não tenho um estilo específico, eu geralmente gosto de todas as músicas de base afro, vários gêneros, eu presto muita atenção nas letras, nas camadas, talvez seja pela minha idade, né?
Minhas redes são:
Instagram @malungo_libros
Facebook: Malungo Libros
E-mail: malungolibros@gmail.com
Obrigado Jeff por estar sempre ativo e colaborando conosco todas as vezes que abnegadamente pedimos a você, obrigado irmão!
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