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COPA RAP: O Hip Hop nos países do Grupo G da Copa do Mundo: Sérvia, Camarrões, Suiça e Brasil

Jeff Ferreira
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O Grupo G é formado por Camarões, Sérvia, Suíça e Brasil. Aqui conheceremos as origens do Hip Hop em cada um desses países. Camarões com seu rap mesclado aos ritmos tradicionais africanos, a Suíça com rap em quatro idiomas oficiais, a Sérvia que infelizmente usa o ultra-nacionalismo em suas letras e apresenta um rap reaça e o Brasil com com seu tempero latino. Confira: 


Camarrões

Paul Edouard Etoundi Onambélé, a.k.a. Krotal, pioneiro do Hip Hop em Camarões

Em Camarões, o Hip Hop surge como uma cultura marginalizada comumente associada a jovens raivosos. Em 1982 se populariza no Camarões o Bikutsi e Makossa, que assim como o Soukous e Bend-skin são estilos musicais de natureza comemorativa. A popularidade se dá devido ao surgimento e patrocínio do governo de Paul Biya. Na mesma época o Hip Hop explode no mundo e chega ao continente africano.


Ao contrário de outros países vizinhos, como a Nigéria, onde o Hip Hop teve uma aceitação mais rápida, em solo camaronês levou-se quase duas décadas para que houvesse uma maior aceitação pelo grande público. Alguns artistas do underground desenvolviam-se como podiam, como o caso de Benjo, Stars System, Mc Olangué, Krotal, Bashiru, Ak Sang Grave e Rage 2 Z-Vil.


Louis Tsoungi, no ano de 1998, adquiriu um estúdio de gravação. Em 2000, ao lado dos amigos Paul Edouard Etoundi e Patrice Bahina, fundou a Mapane Records, na cidade de Yaoundé, um dos selos mais importantes dos rap camaronês do início do novo milênio. A Mapane Records produziu artistas como Krotal, Ak Sang Grave, Bashirou, Ebene e Phatal entre outros. O primeiro álbum a ser lançado pela gravadora foi Yaounde Pour La Planete, de 2002 pelo rapper Ak Sang Grave. 


Ao lado da Mapane Records a Zomloa Records foi outra gravadora pioneira da cena do Hip Hop em Camarões. Criada pelo DJ, o selo produziu rappers como Sultan Oshimihin, Shaman, Sumanja e 1.9.8.5. Na segunda metade dos anos 2000 surge na cidade de Doula a Red Zone, uma gravadora bastante e idealizada por Bobby Shaman (Ze Marien Claude), Sultan Oshimihin e Sharlee Ngango.


A cena camaronesa reconhece o rapper Krotal, vulgo de Paul Edouard Etoundi Onambélé, como o padrinho do Hip Hop no país. Krotal iniciou sua trajetória como o grupo Anonym que colava na posse Magma Fusion. Com o Anonym participou do Rencontres Musicales de Yaoundé (REMY) em 1997, e abriu o show do grupo senegalês Positive Black Soul durante suas turnês nos Camarões e no Senegal. Em 2003, Krotal lançou um álbum solo, o Vert Rouge Jaune. O trabalho foi bem recebido etrouxe canções que se tornaram populares como “Jamais” e “Vert Rouge Jaune”. Em maio de 2007, Krotal fundou a Ndabott Prod,sua própria gravadora que atualmente trabalha com os artistas Abaracadabra, JaHel MineliH, Cyrille Nkono, além do próprio Krotal.


Em 1995 os irmãos Evindi Sassene e Sundjah Sassene, junto de Sadrak, formam o Negrissim' e se tornam um dos grupos mais influentes do Hip Hop camaronês. Mais tarde o rapper Boudor se juntou ao grupo e no ano 2000 eles lançaram o primeiro álbum intitulado Appelle Ta Grand-Mère, cuja temática aborda a vida em Yaoundé, capital de Camarões. Porém, em 2002, o grupo se muda para Dakar devido ao aumento das medidas de censura ao rap, sobretudo com o Negrissim'.


Em 1999, Ayriq Akam se juntou a MH para formar um grupo chamado Feu Rouge (Luz Vermelha). A interação com o Mr. Ndongo (DJ Str'ss) ampliou muito o seu repertório musical e em 2000, participam de uma mixtape produzida pelo DJ Str'ss intitulada Micro Sauce, Tomate. Em 2004, após se desiludir com sua antiga gravadora, a Dark Cell, lançou o selo Self Service com seu amigo Ismael e lançou o disco Puzzleem 2010, trazendo o sucesso “Bienvenu au Cameroun”. A gravadora funcionou até 2012, dois anos depois uma mudança de ideologia e direção musical levou Akam a criar a Bangando Dream, outro selo, que reflete sua maturidade musical, bem como o desejo de retornar às influências e samples africanos e de criar uma música que reflita a experiência sócio-política africana moderna.


Em 1994 Abe Gaston, o MC Valsero formou o grupo Ultimatum com o rapper Bachirou, que funcionou por pouco mais de três anos antes de se separarem em 1997. Em 2002 Abe formou o grupo K'ROZ 'N, composto por seus amigos de infância Asan e Holmes. Os temas das letras do K'ROZ 'N refletiam a situação camaronesa daquele período, assim os assuntos frustração, raiva e desemprego eram constantes nas composições de Valsero, dentre elas “Ce pays tue les jeunes” e “Ne me parlez plus de ce pays”, que se tornaram populares entre os jovens desiludidos que se identificavam com a dura realidade. Em 2008 o álbum Politikement Instable foi censurado pelas emissoras de rádio e TV por temerem a repercussão ao veicular seu conteúdo abertamente político. Desse mesmo mal sofre os artistas Ra-Syn e Sultan Oshimihin.


Ndukong Godlove, a.k.a. Jovi é uma das referências do Hip Hop camaronês  quando o assunto é samplear a música de seu país. Porém Jovi está em envolvido em uma polêmica na internet, após samplear a lenda congolesa Tabu Ley Rochereau na música “Pitie” e foi acusado de plágio, pois o público camaronês não estava acostumado a samplear na música. 


A popularização do rap em Camarões se deu nos últimos anos, principalmente com “Hein Pere” lançada em 2013 por Stanley Enow em seu EP Tumuboss. O vídeo da música é o mais visto por um artista camaronês no YouTube. Além disso, Stanley ganhou o MTV Africa Music Award na categoria de Melhor Revelação do ano de 2014, sendo o primeiro camaronês a ganhar o prêmio.


Sérvia

Gru, primeiro rapper sérvio.

Assim como na Croácia, cuja história vimos no grupo F, o Hip Hop sérvio se inicia na Iugoslávia, quando a Sérvia integrava o país. Na Iugoslávia, o Hip Hop chega em meados dos anos 80 e em 1987 ganha seu primeiro destaque com a música "Ponoćna Trka", de Badvajzer, o sucesso inspirou a formação de vários grupos de rap importantes de Belgrado, capital da Sérvia. Entre eles os grupos Who Is The Best, Robin Hood e Green Cool Posse. Em 1992, quando a Iugoslávia já havia se dissolvido, o MC Best of Who Is The Best conseguiu próprio programa de rádio em uma emissora local, a Politika, e usou para impulsionar o rap na Sérvia. 


Em 1995 surge o primeiro álbum de rap sérvio, do MC Gru, intitulado Da li imaš pravo? (Você tem o direito?). O disco tem 13 faixas e foi gravado entre 24 de outubro e 10 de dezembro de 1994. O trabalho colocou ao menos quatro faixas nas paradas de sucesso: "Da li imaš pravo", "Pravo u raj", "Geto" e "Život je lep", essa última em dueto com o músico aposentado Mario Rajić, mais conhecido como Enco. 


Como característica, a cena servia tinha cena diversificada no início dos anos 90. Por exemplo, Funky G fez um rap dançante que embalava as festas, enquanto Who Is The Best se inspirava no Public Enemy e fez sucesso no gangsta rap, principalmente com a música "Deca Revolucije" ("Filhos da Revolução"). À medida que os anos 90 avançavam, o gangsta rap se tornava a vertente mais popular da cena servia. Essa onda refletia o estado de espírito dos sérvios enquanto as sanções paralisavam a economia. A sociedade civil desmoronava e o crime organizado crescia desenfreado.


Em dos destaques desse momento é a música "Otpisani", de 1992, do rapper Robin Hood. Em 1994, na música "Pravo u Raj", do álbum Straight to Heaven, Gru tornou-se lírico sobre um amigo baleado em plena luz do dia. No entanto, ao contrário dos rappers estadunidenses, Gru, nem ninguém do Hip Hop de Belgrado, eram gângster, mas em uma cidade onde a taxa de homicídios dobrou durante os dois primeiros anos das guerras iugoslavas, a criminalidade e o gangsterismo eram elementos inevitáveis ​​da vida diária ao longo os anos 90. Isso é precisamente o que atraiu muitos jovens sérvios para o gênero - eles imediatamente se identificaram com representações da vida nos guetos estadunidenses.


No começo dos anos 2000 o Hip Hop sérvio deixava de ser uma simples cópia da cena dos EUA e passava a imprimir sua identidade própria. Isso se deu com lançamentos de artistas como o grupo VIP e o selo Bassivity que elevou as produções do país, profissionalizando a cena. Bad Copy surge nessa época com rimas vulgares, satíricas e carregadas de gírias regionais, impossíveis de serem traduzidas. Já o grupo Prti Bee Gee tinha uma caneta áspera, cruas e sombria onde abordava o consumo de drogas, um tema que era caro ao grupo, pois Moskri, um dos membros do grupo, faleceu.


Assim a cena caminha até 2001 onde surge o coletivo Beogradski Sindikat (Sindicato de Belgrado), formado por doze artistas que invadiram a consciência nacional com rimas políticas inabaláveis ​​proferidas com a força de um cântico de futebol. O Beogradski Sindikat mirou não apenas na elite política desonesta, mas também nos progressistas pró-ocidentais e na classe urbana de Belgrado, chamada de “Outra Sérvia” nos anos de Milošević. Depois de criticar a corrupção do governo na música "Govedina" ("Pecuária"), o grupo voltou sua atenção para "Outra Sérvia", que eles consideravam traidores. E passavam a fazer um rap reacionário repleto de clichês de direita atacando emigrados e propagando o ódio étnico.


O Beogradski Sindikat se intitula como dissidentes, Škabo, o membro mais proeminente do grupo, costumava ser intimamente associado ao Dveri, um movimento político de extrema-direita mais conhecido por organizar um “desfile de valores familiares” que acontece no dia do orgulho de Belgrado e reúne conservadores religiosos, membros do clero ortodoxo, homofóbicos declarados e seus filhos, que marcham juntos pela cidade como uma demonstração de oposição ao liberalismo social que eles acreditam ter sido imposto à Sérvia pela UE. 


Beogradski Sindikat não é o único grupo de rap sérvio com tendências de direita: Marlon Brutal, um rapper da selva de concreto de Nova Belgrado, se casou usando trajes tradicionais nacionais, em referência ao falecido mafioso e criminoso de guerra Arkan, que fez o mesmo quando se casou com a estrela pop local, Ceca, em 1995. O casamento de Marlon teve saudações e bandeiras da era monarquista. No extremo moderado do espectro patriótico, o THC La Familija faz referências ao Kosovo e incorpora instrumentos tradicionais e elementos folclóricos em sua música - um movimento que o BS tentou desesperadamente embarcar .


No entanto, esses atos conservadores e reacionários, dentro da Sérvia, são vistos como ligeiramente de centro-direita. Mas a questão é que todo ultra-nacionalista é hipócrita, pois - no caso dos sérvios - buscaram uma cultura estrangeira, o Hip Hop, para veicular sua ideologia e chorume de ideias.


Suiça

Steff La Cheffe uma dos maiores destaques d Hip Hop suíço

Em terras suíças o Hip Hop chega entre 1982 e 1983 através do breaking. Em Zurique, crews como a Fantastic Rockers e a Battle Rockers foram pioneiras. Em Berna o posto é ocupado pela City Rockers, na Lausanne pela Supreme Rockers, em Basel pela Basel City Breakers. Nas cidades de Biel e Bienne os primeiros bboys foram da Jazzy Rockers Crew e em Genebra dos grupos SuperWak e Jam Power Genebra.


Na Suíça não há apenas uma língua oficial, mas quatro: o alemão, o francês, o italiano e o romanche. Cada uma falada em uma diferente região do país. Com isso, os primeiros rappers iniciaram sua jornada rimando em inglês, inspirados no que chegava dos EUA. P-27 e Black Tiger deram o pontapé inicial para uma mudança cultura, em 2007 a dupla lançou "Murder by Dialect", a primeira música bilíngue do país, mesclando inglês e o alemão. Não tardou e os suíços falantes do italiano e francês passaram a cantar em seus idiomas também. O rap falado em idiomas oficiais da Suíça, assim como seus dialetos faz com que a cena local seja única. Também é da Suíça que vem o primeiro selo de Indie Rap da Europa, o Unik Records.


Da cidade de Graubünden vem o grupo Liricas Analas um dos expoentes do Hip Hop suíço em seu quarto idioma oficial, o romanche, comumente chamado de rhaeto -românico. A banda é composta por três MCs, Flepp, Orange e Jusht, e o DJ Suit, alcunha de David Suivez.


No entanto, a cena suíça que mais se destaca é a de rappers que rimam em alemão. Pouco a pouco esses artistas foram ganhando espaço e representando a Suíça para além dos limites do país. Um deles é o Mimiks (Expressão Facial), oriundo de Lucerna, o artista chama a atenção pelo seu speedflow e levada diversificada além de uma caneta lirica que mostrou em seu disco "Forever Never". Já Tommy Vercetti representa uma linha intelectual de rap, sendo o favorito dos críticos musicais. O rapper aborda os desfavorecidos usando de metáforas poéticas para provocar a reflexão. Seu disco estreia foi o Seseilänzer, considerado por muitos como um clássico. 


Como representante do underground, a Suíça tem o rapper Luuk. Natural de Zurique, o artista aposta em instrumentais old school com samples de jazz, sempre produzidos por seu parceiro DavïdM. Luuk também tem um podcast chamado Pottcast, o qual dirige ao lado do amigo Knackeboul. Vencedor do Swiss Music Awards, o rapper Baze abusa da melâncolia em suas músicas, como característica, suas linhas às vezes difíceis de entender e nem sempre são agradáveis.Desta forma, Baze se mantém inventivo e ímpar na cena. O artista foge da definição clássica do rap e se reinventa álbum após álbum. 


Manilo é um rapper da cidade de Solothurn e se aproxima do grande público ao aposar numa linha mais pop para sua música e quase sempre utilizando-se de elementos do trap. Manilo está no rap há muitos anos, mas sempre se inova e mantém o estilo atualizado, em seu último álbum, Plus Minus, o MC contou com o produtor Jugglerz, um dos maiores da Alemanha. 


De Dietikon vem Xen que se destaca no Hip Hop suiço relativamente a pouco tempo, desde 2015 com seu deubute I Gäge Mich, que alcançou o status de disco de ouro, e se consolidou com o álbum Favorite Rapper, de 2021. Nativ é outro nome da nova geração e convence pela sua versatilidade. Sua música mistura batidas de boombap old school e da velha escola com instrumentais pesados ​​​​e sons eletrônicos. Seu texto aborda problemas sociais como o racismo, que ele mesmo vivenciou como pessoa de origem migratória, com raízes na Costa do Marfim. De Berna vem uma das sensações do pop-rap suíço dos últimos anos, a dupla Lo & Leducse. Formada em 2009 por Lorenz Häberli e Luc Oggier, o duo chega ao topo das paradas suíças em 2014 com o álbum Zucker fürs Volk. Em 2018 lançam o hit "079" que permaneceu no topo por 21 semanas e estabeleceu um novo recorde nas paradas na Suíça. 


A mulheres também rimam, e muito, na Suiça. Natural de Berna, Steff La Cheffe é um dos grandes nome e comumente tem um disco no topo das paradas. A mina começou sua trajetória fazendo beatbox para acompanhar o músico Andreas Vollenweider em uma turnê. Em 2010, Steff La Chefe chegou às paradas com seu álbum Bittersüessi Pille. Nessa época, seu som foi moldado graças a colaboração com o cantor de reggae Dodo, usando instrumentais cativantes e letras bem-humoradas. Na sequência, em 2013, a MC lança o álbum Vögu zum Birthday e experimenta novas melodias e ritmos, O disco chega ao primeiro lugar nas paradas e o single "Ha ke Ahnig" se destaca. Desde então, Steff La Chefe vem chamando atenção na cena, seu último disco foi o PS:, lançado em 2020.


Berne e Zurique são duas escolas do Hip Hop suíço que vem revelando grandes nomes da cena. A nova geração apresenta MC's que não têm medo de experimentar e são autodidatas, produzindos suas próprias músicas e álbuns. Dentre eles vale destacar: LCone, EAZ, Bligg, Stereo Luchs e Dawill.


Brasil

Sharylaine, a pioneira do nosso rap.

A história do Hip Hop no Brasil é rica e bem interessante e só esse recorte resultaria em um livro à parte. Na verdade, já resultou! 30 Anos do Disco Hip Hop Cultura de Rua , o terceiro livro desse que vos escreve, apesar de ser direcionado a este que é considerado o primeiro disco de Hip Hop do Brasil, conta a história da cultura e sua chegada em terras tupiniquins, bem como seus protagonistas, cenários e contexto da época. O livro segue como uma leitura complementar para esse estudo, e para melhor entendermos a trajetória do trap, vamos resumir ligeiramente esse episódio brasileiro.


Alguns creditam Jair Rodrigues como o primeiro rapper brasileiro, quando na verdade esse fazia um samba de breque na música “Deixa Isso Pra Lá” . Outros creditam Gerson King Combo com “Melô do Mão Branca” , o que na real era um funk menos groovado. O primeiro canto falado, conhecido como rap, do Brasil, foi gravado em 1980 pelo empresário e apresentador de TV Luís Carlos Miele, com “Melô do Tagarela”, em cima da base instrumental do Sugar Hill Gang, com a música “Rapper’s Delight”. Como curiosidade, o primeiro rap em castelhano na América Latina também foi gravado em cima da base de “Rapper’s Delight”, com o venezuelano Perucho Conde e a música “La Cotorra Criolla”. Se bem que o dominicano Jorge Taveras reivindica o pioneirismo do rap em castelhano com a canção “Ven Acá”, também em cima de “Rapper’s Delight” e interpretada por Freddy Beras Goico e Felipe Polanco. 


O “Melô do Tagarela” também deu o primeiro nome do rap no Brasil: “tagarela”. O canto falado era conhecido por esse nome pelos primeiros que viram alguém falar sem parar através de rimas, eles não cantavam rap, faziam um “tagarela”. Isso se dá devido a um reflexo da época em que não havia informação alguma, não tinha espelho para se inspirar e tudo era na base do achismo. Depois descobriram que aquilo era rap, ritmo e poesia, e surgiram alguns experimentos de rap no país. Em 1986 Pepeu e Mike gravam “Melô do Bastião”, talvez o primeiro rap feito por rapper’s, já que Miele não era um MC e nem tentou ser. JR Blaw, da crew Estilo Selvagem, faleceu cedo, mas é considerado por muitas testemunhas oculares como o primeiro MC do Brasil. Nomes como Thaíde e Mano Brown afirmam tal pioneirismo. 


O grupo Black Junior’s foi um importante conjunto que cantava e dançava breaking, foram carismáticos e midiáticos chegando a um fato ainda sem equivalência, mesmo quase quarenta anos depois: gravar um disco em espanhol!  Em 1987 a Kaskata’s Records lança a coletânea Ousadia Rap, um disco que misturava canções de música eletrônica, charme, disco, R&B e os primeiros raps cantados em português, como “Hey DJ”, do De Repent, “Cerveja”, do Mister Theo, e “Musicar”, Eletro Rock. No ano seguinte, em 1988, são lançados os dois primeiros álbuns inteiros de Hip Hop do país, o Cultura de Rua, pela gravadora Eldorado, revelando Thaíde & DJ Hum, e O Som das Ruas, pela Kaskata’s, revelando Ndee Naldinho (na época Ndee Rap) e o grupo Os Metralhas (hoje os irmãos Lino Krizz e DJ Dri). Em 1989 a Zimbabwe lança a coletânea Consciência Black (volume 1), disco que revela Racionais MC’s e Sharylaine.


O ponto de encontro nos anos 80 era a Estação São Bento do metrô de São Paulo. Lá a febre era o break, as crews de toda a cidade (interior, litoral e até outros estados) se encontravam para praticar breaking e trocar as primeiras informações sobre Hip Hop. DJ’s falavam de discos, grafiteiros trocavam fotos de vagões de trem desenhados, MC’s improvisavam rimas batendo em latas de lixo e os b-boys resolviam suas diferenças em batalhas de danças. Mas antes de o point ser na estação São Bento, local que era ocupado pelos punks de São Paulo, principalmente da Vila Carolina e do ABC. O breaking em São Paulo tinha outro endereço, o cruzamento da Dom José de Barros com a rua Ramos de Azevedo, nas costas do Theatro Municipal. 


Quem comandava a área era o pernambucano Nelson Triunfo, ou Nelsão, o pai do Hip Hop brasileiro, B-boy que começou dançando nos bailes de salão a música negra que era o auge da época. Quando conheceu o Hip Hop e aquela dança robótica, ficou hipnotizado, dançava nos clubes, porém sentia que aquilo era uma manifestação artística livre e tinha que ser realizada nas ruas. Nelsão e seus amigos da época pagaram por essa decisão, muitas vezes foram detidos e perseguidos pela polícia e maltratados por comerciantes, mas deram ao Hip Hop e a cidade de São Paulo um patrimônio. Na Dom José de Barros com a Ramos de Azevedo está uma placa, fincando ali como o Marco Zero do Hip Hop paulista. 


Das ruas para a estação, da estação para os discos, a ideia da gravadora Eldorado era um LP do grupo O Credo, mas eles não tinham faixas suficientes para isso, então convocaram Thaíde & DJ Hum, MC Jack & DJ Ninja e o grupo Código 13, cada um gravou duas faixas para o Cultura de Rua. O rap tocava nas rádios e inspirava outros jovens a seguirem caminho pela música. Ao entrar nos anos 90 vários grupos aparecerem e o discurso do rap se torna mais pesado e contundente. A mídia não via com bons olhos e rolavam muitos boicotes. Tudo era muito alternativo e underground. 


Assim o país viveu a golden era do gênero, período que corresponde com os principais lançamentos em disco da música rap brasileira. No final dos 90 começa um aceno da mídia para o gênero, desde que fosse algo comercial, mais polido, com elementos orgânicos como um violão, flauta ou teclado e com linhas melódicas e temática menos violenta. Passam a chamar esse tipo de música de “Hip Hop”, para desvincular da contundência do rap de quebrada. Vários artistas de outros estilos também apostam no rap, uns para o bem, outros para se aproveitarem, mas independente disso o rap cresce e se destaca, vai até a metade dos anos 2000 em alta, depois tem um declínio justamente em período que coincide com a chegada do trap ao país, o qual começa timidamente, mas já na primeira metade dos anos 2010 mostra sua cara e transforma o consumo do rap no Brasil.


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