Para entender o contexto dessa música, voltemos um pouco no tempo para o ano de 1990, onde no dia 16 de março o então presidente da república Fernando Collor de Mello comunicou que as quantias valores depositadas nos bancos, acima de 50 mil cruzados, seriam confiscados pelo governo. O engraçado (se não fosse trágico) é que Collor, durante campanha eleitoral em 1989, acusava seu principal adversário, o Lula, de que se eleito ele iria reter a minguada poupança dos brasileiros sob a alegoria do "fantasma do comunismo".
Os efeitos da ação de Collor resultaram em colapso, bem verdade que a inflação despencou, mas logo voltou a subir e os brasileiros estavam desprovidos de suas economias para absorver tal impacto. Até hoje muitas famílias sofrem com o desastroso plano do governo e muitos processos relacionados ao tema tramitam no Supremo. As fábricas não tinham reservas para pagarem seus funcionários, suas contas estavam zeradas, e como consequência passaram a demitir os trabalhadores e muitas delas fecharam as portas.
É nesse contexto sociopolítico que "O Salto" se apresenta, a música por si não traz esses elementos, mas ouvi-la juntamente com o seu videoclipe nos faz perceber de forma nítida as relações.
Logo no primeiro verso a personagem narra uma mudança drástica em sua vida, pois a decisão sobre o confisco da poupança aconteceu de forma súbita, sem que houvesse tempo para se preparar, restando-lhe sentar sobre as ruínas de sua nova situação.
Segundo o clipe, o trabalhador é desligado de sua fábrica, já que a mesma vai à falência devido ao Collor. Sem emprego e um filho pequeno para cuidar o desespero bate-lhe a porta. Essa passagem é compreendida na música com as linhas "E regaram as flores do deserto / E regaram as flores com chuvas de inseto". Não houve garantia alguma dada a população, somente a chuva de incertezas.
Um dos pontos mais fortes da canção é a a frase:
Pois além do sustento próprio aquele pai tinha um filho para criar, sem emprego e sem conseguir se realocar ele tenta, segundo o clipe, entregar o filho para que outra família o pudesse criar, mas a situação brasileira estava padronizada, nivelada para baixo e ninguém queria aceitar tal proposta. O punhal citado é o pensamento negativo, a ideia de colocar um fim na situação da pior forma possível, com o suicídio. A moral, ao ser questionada, devolve a dúvida para aqueles que têm empatia: "o que farias tú?", é como se a personagem perguntasse se você esperaria um milagre ou partiria para uma ação desesperadora.
O ato de suicídio é uma consequência de ação nefasta do governo e modus operandi do capitalismo, onde a falta de recursos degrada o ser humano, seguindo o que já cantou Chico Science: "o de cima sobe e o debaixo desce". A personagem, sabendo disso, deixa óbvio que sua partida tem um causador e que a única forma de sanar suas dívidas é deixando seu sangue como pagamento, e desse modo parte para o salto mortal. O clipe mostra a cena em que pai e filho abraçados se lançam do alto de um prédio:
O sinal deixado é a esperança de que o fato vire notícia, nos meus jornais que lucraram com sua morte, e que a notícia sirva de alerta para a população na escolha de governantes.
A história mostrou que muitos brasileiros, com a notícia do confisco, infartaram e atingiram o desespero. Uma parcela desses deu fim a própria vida tamanho as incertezas e angústias.
O Salto segue atemporal, apesar do clipe nos direcionar para um recorte de tempo específico, a música se encaixa no atual panorama, onde várias famílias se encontram sem empregos e enfrentando a alta inflação e de brinde uma pandemia e governo corrupto, negligente, fascista e negacionista.
Na parte técnica da música, além de Falcão na voz, Xandão na guitarra, Lauro Farias no baixo e Marcelo Lobato na bateria e teclado, na composição Carlos Pombo somou ao grupo, assim como o DJ Negralha, que acompanhava O Rappa e contribuiu com os scratches, Glauco Fernandes, Daniel Nogueira, Léo Ortiz, Pedro Mibielli, Her Agapite, Flávio Gomes, Carlos Mendes, Erasmo Fernandes, Marluce Ferreira, Rogério Rosa, Rodolfo Toffolo e Veronica Gabler, todos tocando violinos, Flávia Motta, Isabela Passaroto, Jairo Diniz e Eduardo Pereira, tocando violas, e Marcelo Salles, Luiz Zamith, Lui Coimbra e Claudia Salles, tocando cellos.
Em O Silêncio Q Precede O Esporro ainda há a música "O Salto II", também chamada de "Salto Continuo", com o mesmo time de composição e participação de Glauco Fernandes com o violino solo e a voz do poeta baiano Waly Salomão que interpreta o texto:
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