Depois de fazer barulho com
Alforria de 2005, Gagui IDV retorna com seu segundo álbum, IDV, e ao longo de dezessete faixas com um time variado
de beatmakers e participações transpira a essência do Hip Hop. Junto de Nego
Maisson e DJ N.F., que acompanhava os MC nas performances ao vivo, e estão
presentes no álbum. O trabalho foi gravado no Estúdio: SFD Produções e a capa e
o designer gráfico é assinado por Gangsta Flow. Como um autêntico disco de Hip
Hop as letras retratam a comunidade, tem preocupação com o social e atinge o
meio ambiente em que está inserido, o lado pobre da vida. Porém, o disco é um
alento para aqueles que buscam esperança e uma palavra de conforto para o caos
cotidiano, tudo isso através da ótica e experiência de um dos maiores caras que
eu já conheci: meu mano Gagui IDV.
O álbum abre com a música “Palco do Terror”, um cartão de visitas sobre o que
ouvinte irá encontrar no decorrer do disco: denúncia, protesto e contundência
em forma de ritmo e poesia. A faixa, com participação de Rodrigo Perelló
no refrão (e também assina o beat e a produção) é como um filme de ação, tenso
e dramático, um aviso a sociedade: “plantou o ódio
e agora paga com a dor, quero poder, quero tudo que eu não pude ter, puta de
luxo, caranga, casa em Jurerê”.
A segunda faixa, “Pelotas 200 Anos”, com produção assinada por Matheus
Quevedo, o rapper fala de sua terra natal, porém com o viés do porta-voz
da periferia, e mostra que carece de motivos para comemorar o bicentenário da
cidade: “mas o pico é Pelotas, que faz 200 anos e pro
gueto vira as costas, as mesmas que sofriam com chicote na charqueada, hoje
segue sofrendo os cassetete dos Brigada”.
Em “Vigília”,
Gagui e Nego Maisson contam com a participação de Rodrigo Perelló, que também
assina o beat, para alertar sobre os caminhos da vida louca que podem implicar
no fim da linha: “E não são poucos, itinerário
louco, destino é só sufoco, da pedra ao pipoco. Os moleque novo cai no xis a
toda hora, mais uma mãe que chora, estima vai embora”.
O espetáculo prossegue e Gagui
mostra como em “E Desse Jeito Que Segue Meu Show”,
onde o rapper e seu fiel aliado Nego Maisson trazem uma letra biográfica sobre
a caminhada no Hip Hop, a produção é de Duck Beatz e tem participação de
Maninho RH, e discorre: “Olhei pra trás e vi
o tanto que trilhei, há miliano no corre, investi, apostei, acreditei que o RAP
ia ser maior, que ia mudar meu futuro, ia ser tudo melhor”.
Na quinta música, “Duas Caras”, Rodrigo Perelló traz um beat suave e
pra cima e ainda rima, faça um bonito refrão melódico e junto de Nego Maisson e
Gagui discorre sobre a dualidade da vida: “escolha
seu caminho irmão, certo ou errado, o futuro é escola aberta, Johw, e não
regime fechado, apague-se nas trevas ou luz pra te iluminar”.
A sexta faixa é “O Lado Certo da Vida Errada”, uma produção de Nick
Beats, o MC pelotense tece uma análise sobre a vida no crime, os altos e
baixos, e a visão distorcida que muitos têm sobre o tema. O refrão sintetiza
bem a ideia da letra: “De dentro do fechado vem a
ordem 1 2 1, facção na rua abraça todo dia morre um”.
“Família
Real” vem com a participação de Leandro Fagundes, a.k.a Guido CNR e
Glauco Lacerda, a.k.a Glauco CNR, ambos rapper’s característicos pela levada
melódica, a união vem para falar das quebradas fazendo ode à periferia e
ressaltando seus personagens e guerreiros: “Salve
favela, respeito à todas elas, meu rap, minha rima, meu talento, minha preza,
minha vila, minha vida, minha rua de terra, eu to pela paz, tô avesso a clima
de guerra”.
Com beat nostálgico de Duck
Beatz, “Máquina do Tempo” entrega no
titulo o teor da música, uma das mais bonitas do disco, Gagui resgata da
memória suas vivência e as externa em forma de ritmo e poesia: “lembrei da infância, criança, oito de idade, já faz um
tempo, uma cara, me deu saudade, de reviver, recordar, momentos que vivi,
lembrança louco do tempo que era guri, jogava bola, vivia solto na Rafael,
lugar que toda minha infância pra mim era o céu”.
A faixa nove, “Infância”, tem o clima de nostalgia da canção
anterior e ao mesmo tempo a essência de todo o disco, onde Gagui, Nego Maisson
e Rodrigo Perelló se recordam de seus tempos de moleque para aconselhar a
geração futura: “É negão, te ouvindo assim da minha
infância também recordei, vários perrengues que passei, mas neles me fortifiquei
e hoje sigo contando histórias de vida, me alegro com os que vem, mas eu choro
a cada despedida”.
Em “Nosso Som”, com sample de Os Morenos
em “Marrom Bom Bom”, a colagem reforça “no rádio nosso som, tem magia nossa cor”,
Gagui fala sobre sua música, sobre a fase que vivia como artista e sobre como o
rap é uma ferramenta de transformação social: “chega
de ver as mães chorando em 02 de novembro, muda de vida larga o crime que ainda
dá tempo, renovar as esperanças de ser vencedor, deixar para trás o sentimento
de ódio e rancor, faço canções que é para mudar a vida de quem escuta, incentivar
a não fugir da luta”.
Gagui escreve uma carta de amor a
cultura que resgata, em “Hip Hop Salva”,
música com produção de Duck Beatz, o MC fala da sua relação com o movimento
e se mostra grato ao movimento: “Sinceramente se
não fosse você, o que teria acontecido de mim? Vai saber. Talvez no regional ou
presídio da quinta, talvez nem tivesse chegado à casa dos 30. Os barato que
passei, os lugar que conheci, os amigos que formei, tudo eu agradeço a ti”.
“À
Todas As Quebradas” é um salve de Nego Maisson para todos os
barracos e estradas de terra, principalmente no lado sul do país. A produção é
de Rodrigo Perelló e Maisson percorre: “responsa e
atitude, a nossa cara, tá ligado no malandro, que os malandro aqui não para!”.
MC Babidi faz participação na
música “A Missão”, onde junto de Gagui
falam das mazelas da sociedade, denunciando o descaso do estado, e reforçam que
estar no rap é uma missão, a de falar com a juventude e mostrar que há esperança: “pra nós sobrou
missão, fazer revolução, mostrar o caminho pros moleques através da canção,
aqui é o rap doidão, não é Restart irmão”.
Gagui mostra repertório e traz
uma love song para o álbum: Em “Linda”,
com novamente a participação de Guido e Glauco CNR, e beat de Rodrigo Perelló,
o rapper dedicas linhas para o amor: “um
vinhozinho, um jantar e umas Prudence, se amando ao som do Abba, Bee Gees, do
Creedence. O meu desejo é te amar eternamente, chapei quando te vi primeira vez
na minha frente”.
O DJ N.F. assina a
produção da faixa “Pra Ti”, outra canção
introspectiva e com forte carga sentimental, um desabafo e ao mesmo tempo uma recordação
e homenagem para alguém querido que se foi. Apesar do tom intimista, a música
acerta no plural, pois mexe com os sentimentos e reaviva lembranças que todos
nós temos de alguém especial: “no rosto a lágrima
que cai, mais uma vez a depressão me atingiu, tá tudo tão estranho, na pele os calafrios,
a quatro meses distante da minha terra, meu pensamento louco, minha mente tá em
guerra”.
A penúltima faixa, “A Inveja Mata”, com produção de Leonardo Vergara,
ganhou videoclipe produzido em parceria entre o rapper e a TV InRuaCom, por
Leandro Gigante, Mauricio Black Bull, Jj Mauricio, a direção e
edição ficou por conta de Marcelo Pires. O audiovisual ganhou o Prêmio Lança
de Ouro de 2012, na categoria Melhor Videoclipe. A produção da
música é de Leonardo Vergara, e Gagui aborda o olho gordo no corre alheio,
ponto que vai na contramão dos ensinamentos do Hip Hop: “Ressuscitado pela carga da Faber-Castell, em cada linha
da Tilibra eu construí meu céu, Gagui IDV, guerreiro nato, eu sei o meu papel.
Tem vagabundo que ainda não bota fé no talento, pra esses eu passei voando tipo
tempestade de chuva e de vento”.
Para fechar o álbum, a música “Do Avesso”, um desejo de luz para os guerreiros
sofridos e periféricos que correm atrás. Gagui declama e traça o paralelo entre
os moradores dos diversos Brasis: “enquanto eles
atingem a maioridade, ganham viagem pelo mundo, conhecem os quatro cantos, a
gente muda de endereço, saí da FEBEM e vai para o presídio, mas a rua é a mesma
a maldita a Cristóvão José dos Santos”.
Quase
dez anos passados os registros musicados de Gagui IDV, infelizmente, seguem
atual no que tange a parte ruim da sociedade. A Fotografia de um Brasil desolado
de uma decada atrás se mantém no presente, o que mudou foi o regresso que meteu
marcha e avançou. Do outro lado, as letras de esperança, boa novas,
comemoração, comunhão, ode a periferia e ao Hip Hop e o amor seguem como um
oassis no meio de tantos lançamentos da egotrip do rap nacional.
Gagui
IDV é um dos grandes operários da cultura Hip Hop, um homem apaixonado e
visceral em sua obra e postura. Ao longo de sua existência o multicultural
pelotense vem registrando, através das mais variadas formas, toda sua vivência
dentro da cultura: com os livros Resenha do Rap e Resenha do Rap II, com o
podcast e blog de mesmo nome e através da sua poesia transformada em rap. Abaixo
você pode dar o play e sacar essa importante obra desse importante personagem:
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