O Brasil de 2020 é uma mutação do
Brasil de 2019, que por sua vez é uma cópia piorada do de 2018 e assim por
diante sem sabermos onde a coisa escambou do "ruim" para o bizarro e
nonsense. Em "Alienígena", meu camarada Siloque faz uma fotografia
desse momento com uma máquina do tempo, já que o som foi gravado em 2018 e
lançando em 2020, e está atual, pois o cenário é de retrocesso.
Quem flagrou o lyric video que
acompanha a música do rapper percebeu as referências ao cinema mundial, ora
expressados nos versos do rap, ora sampleados no vídeo. O conjunto final da
obra, canção + lyric, ajudam a contar uma história que gostaríamos muito que
fosse ficção, e as vezes até acredito que vivemos numa grande scifi, daquelas
lado b que eram comuns nos anos 80, em outros momentos parece ser uma comédia
de péssimo gosto, com personagens forçados e caricatos até demais. Mas a grande
verdade é que o Brasil se tornou uma distopia fascista, difícil de digerir.
Nos primeiros versos de
"Alienígena", Siloque traduz, de uma forma mais lírica, a celebre
frase "mente vazia, oficina do cão", e se mostra ativo em paradas que
realmente fazem a diferença em sua vida e nos demais a sua volta, tais linhas
além de mostrar válvulas de escape para o combo que adoece, também funcionam
como mantra para seguir são em meio a tudo isso:
“pra
cada batida do meu coração
não
ser em vão
nao
entrar pelo vão
pelo
cano
pode
ficar sussa
que
eu não divulguei meu plano
mano
engano
seu achar que eu tô à toa
eu
to a trampo
atarefado
e minha voz ecoa”
Porém a letra de
"Alienígena" não é um rap raso, daqueles em cima do muro, ao
contrário tem letra densa, tensa, poética e profunda, e o mais importante: tem
lado! Mas qual lado? Ora, basta conhecer minimamente a figura de Siloque que se
sabe qual o lado, mas se resta dúvidas a letra vem escurecer, o estudo e a
busca pelo conhecimento destrava a mente e faz com que o inimigo fique
evidente, mesmo que camuflado, e a esse que a poesia intergaláctica da música
se refere nesse confronto:
“não
sou daqui
eu
vim de longe
fui
abduzido
não
me pergunte
como
é que eu fui trazido
coma
induzido
quase
fui tragado pela estupidez
uma
pá de vez
hoje
eu vim pra confrontar os reis
aaaah!
Um desgoverno despreparado para
auxiliar o povo e uma população que aplaude essa posição, são variáveis de uma
equação que resulta em um desastre, restando como ferramentas a desobediência,
e a resistência passa a ser item básico de sobrevivência, parece pleonasmo, mas
a real redundância é a mitologia criada em torno de uma mula sem cabeça por um
gado sem visão:
“e eu não tô cagando regra pra vocês
6-6-6
vim quebrar suas pernas
e burlar suas leis
explodindo sua cachola
igual scanner, honey
meu nome no banner
tô firmão no bang-bang
tipo blade runner
caçador de clone
me chame pelo codinome, honey
silaaaaaaaas!”
A analogia de qualquer indivíduo
com o mínimo de bom senso com qualquer devoto da Santa Cloroquina ou de São
Excremento é desvantajosa, e como meritocracia é o caralho, Siloque retrocede
dez mil anos a nado, mesmo assim chega avançado comparado a esses nada. Mesmo
com crises pessoais, mesmo com os obstáculos que uma sociedade careta e hipócrita
impõe, qualquer testemunha ocular do que acontece e que tenha o mínimo do senso
crítico age na contramão do curral estabelecido e com certeza levará imensa vantagem
no campo ético e moral.
“se for pra chegar avançado
tenho que voltar
10.000 anos à nado
lado a lado com deuses
ares
demônios particulares
cáries
áries
câncer
foda-se!”
No melhor estilo do rap dos anos
90, Siloque usa de “Alienígena” um espaço para a famigerada “oreiada”, os
conselhos de periferia distribuídos dentro das músicas e ao mesmo tempo reforça
sua ausência de necessidade pelo hype,
tão procurado hoje em dia nas letras daqueles que se dizem parte de uma cultura
chamada Hip Hop.
"tome cuidado com o mundo
o comum do maluco
é se achar imortal
sabe no fundo
que não é Highlander
nem Christopher Lambert
é
neanderthal
nóis vive
undertown
no
underground sincero
vive no grau
de rolê no hemisfério
homicida doloso em defesa dos meus
MC cabuloso
ascendendo do breu”
A música “Alienígena” é contato
imediato de quarto grau, é trazendo para além da matrix, é um convite para sair
da colônia de Blade Runner 2049, é um convite para confrontar o autoritarismo
de 1984 e a maldade da Laranja Mecânica, é facada certeira de o Parasita, a
organização do povo em Bacurau, a esperança em Mad Max, a fragilidade humana em
Planeta dos Macacos e o cuidado para não perder a cabeça como em Higlander.
Essas são algumas das referências usadas na construção do lyric video, feita
aqui pelo Submundo do Som, sob o nome de Lyric Way.
Confira o video:
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