O Submundo do Som trocou uma ideia com o professor de história e pesquisador do Hip Hop Argentino, que também é diretor tecnico de cinema, dentre muitas outras funções, o escritor Martín Alejandro Biaggini, autor do livro Rap de Acá - La História del Rap En Argentina, primeira obra publicada no país a abordar a cultura Hip Hop, nesse papo Martín fala sobre o livro, que conta a história dos primórdios do rap em sua terra, sobre as continuações que pretende lançar, projetos de tradução de sua pesquisa, e falam um pouco do processo e das dificuldades que encontrou no percursso de concepção da obra. Então prepare seu mate e se liga:
Submundo
do Som - Antes de tudo, muito obrigado pela disponibilidade e bater esse papo
com o Submundo do Som. Por favor, comece a se apresentar aos nossos leitores,
quem é Martín Alejandro Biaggini?
Martín
- Martín Biaggini é um “Pibe de barrio” (como dizemos na Argentina). Nunca
deixo de ser. Minha profissão de professor universitário me levou a percorrer
outros caminhos, mas a essência continua a mesma. Hoje, como pesquisador meu
objeto de estudo são os bairros, as pessoas comuns, nossas práticas e nossa
arte.
Submundo
do Som - Como surgiu a ideia de pesquisar e escrever o livro "Rap de Acá -
La História del Rap en Argentina"?
Martín
- Eu estava trabalhando com poetas dos subúrbios de Buenos Aires, poetas do submundo
da "literatura oficial" e surgiu uma pergunta: não há poesia nos
bairros de periferia? E ali percebi que o rap era a maneira poética que muitos
jovens periféricos tinham para contar o que estava acontecendo com eles, para
projetar sonhos e etc. Lá me apaixonei pelo rap.
Submundo
do Som - Durante o processo de pesquisa, qual foi a maior dificuldade que você
encontrou para levar a história do rap argentino ao público?
Martín
– Quando se inicia uma pesquisa, existe uma etapa chamada “estado da questão”,
que consiste em procurar publicações anteriores sobre o assunto, para verificar
se o tema já foi analisado ou estudado em algum outro projeto. Um dos problemas
que vi, foi que quase não havia nada escrito sobre a história do rap argentino.
Não consegui procurar informações em outro livro. Havia apenas algumas notas em
jornais, alguns blogs temáticos, e eles sempre abordavam os mesmos tópicos.
Então decidi iniciar uma pesquisa sobre as origens do rap na Argentina. O
primeiro passo foi arquivar (revisar jornais, revistas especializadas, folhetos
de eventos e etc.), o segundo passo, foi
começar a entrar em contato com os artistas da cena do rap e entrevistá-los.
Muitos deles não estavam mais ativos, por isso era muito difícil localizá-los.
Submundo
do Som - O hip hop na Argentina, como na maioria dos países latino-americanos,
foi estabelecido em meados da década de 1980, mas em solo argentino teve um
desenvolvimento mais lento, como por exemplo com o primeiro livro sobre o rap
argentino sendo publicado apenas em 2020, mais de 30 anos depois que o país conheceu
a cultura e seus princípios. Na sua opinião, a que se deve esse fato?
Martín
- Eu não acho que o rap argentino tenha custado tanto para se desenvolver, mas
foi mais realmente foi lento, e isso se deu, em princípio, à falta de informação.
A década de 1980 deu origem ao rap local, e nesse período quase ninguém sabia
nada, nem sobre rap nem Hip Hop. Cada um dos que chamamos de “Vieja Escuela”
(os pioneiros) teve que aprender, descobrir, quase que artesanalmente, como era
o rap. Não havia referências para se apoiar ou se inspirar. Apenas discos
(muito poucos), videoclipes e filmes provenientes dos EUA. Então, nos anos 90,
digamos que o rap argentino nasceu, e que o governo neoliberal que existia na
época abriu as fronteiras para as importações, e a falta de material que reinou
nos anos 80 mudou notavelmente. Registros, revistas e outros materiais
importados podiam ser comprados em famosas lojas de discos de Buenos Aires, por
exemplo. Mas a falta de espaços para tocar e altos custos para gravar impediram
que o rap recém-nascido tivesse uma adolescência bem-sucedida. Embora existam
inúmeras gravações de grande prestígio, muitas cassetes demo, em partes, por
algum motivo o mercado (que às vezes legitima ou decide que é gravado, vendido
e escutado) sempre dava mais importância a um gênero musical do que aqui é
conhecido como rock nacional. Dessa forma, o rap se desenvolveu muito
marginalmente na Argentina e, apesar de haver experiências comerciais isoladas
(edição do álbum Club Nocturno em 1989, as compilações Nación Hip Hop 1 e 2 no
final dos anos 90 e o Grammy Latino vencido pelo Sindicato Argentino de Hip Hop
em 2001), o mercado de música e entretenimento não terminou de investir nesse
gênero como em outros.
Capa e contra-capa do livro Rap de Acá -La História del Rap en Argentina
Submundo
do Som - Como você vê a cena do Hip Hop na Argentina hoje, principalmente
quando comparada à fase inicial da cultura no país?
Martín
- Eu acredito que hoje existem várias cenas, não somente uma. Houve uma grande
mudança em 2005 com o surgimento da Internet 2.0, as redes sociais, YouTube e a
democratização da tecnologia. Hoje, qualquer MC pode gravar, produzir, filmar e
distribuir e, em muitos casos, até monetizar sua produção. Hoje, um rapper não
precisa de uma banda ou DJ para criar seu instrumental, os beatmakers aparecem
em diferentes bairros, a venda de beats viralizou na Internet, quebrando as
fronteiras nacionais, assim como o uso de bases livres como estímulo para
incentivar muitos.
A
absorção do mercado naquilo que foram “Las Batallas de los Gallos” (freestyle)
fez popularizar o rap entre os mais jovem, como acontece hoje com o trap, como
gênero de música urbana relacionada ao rap, que os mais novos abraçaram.
Submundo
do Som - Como você vê a relação entre a mídia argentina e o Hip Hop? Os rádios,
jornais, revistas ou sites prestam atenção à cultura e seus elementos?
Martín
– Meios de comunicação como uma massa homogênea não existem. Existem mídias
hegemônicas (ou comerciais), independentes ou underground. Os primeiros se
baseiam no que o mercado dita. Muitos jornais são de propriedade das mesmas
empresas fonográficas e outros atuam por interesses comerciais. É muito difícil
para a mídia hegemônica dar espaço ao rap alternativo. Por outro lado, existem
revistas, programas de rádio, redes sociais, grupos de troca de informação
entre militantes do Hip Hop local, e eles alcançam o jornalismo de alto nível.
Acho que se alguém está muito interessado em aprender sobre o rap argentino,
não precisa ler revistas de renome, jornais de grande circulação ou meu próprio
livro (sim, sim, você leu bem!). É necessário procurar nas rádios argentinas
programas que há anos militam em prol do Hip Hop.
Submundo
do Som - Sobre o livro "Rap de Acá – La História del Rap en
Argentina", existe um projeto para o volume 2 da obra? Fale um pouco sobre
isso e como você planeja dividir os períodos?
Martin - A pesquisa cobriu toda a história do rap na Argentina, na verdade, em Buenos
Aires e arredores, e peço desculpas por isso na primeira página do livro, o
material acumulado foi muito importante, então decidimos dividi-lo em 4
volumes, e cada um corresponde a um determinado período histórico. O primeiro
de 1982 a 1992 (período em que o que chamamos de “Vieja Escuela”, quando o rap
argentino nasceu e se consolidou, o segundo volume abrangerá de 1993 a 2005, o
terceiro chamamos de Rappers 2.0, abordará de 2005 até o presente, e um último
volume abordará como o rap se desenvolveu em diferentes regiões da Argentina.
Submundo
do Som - Martín, e a tradução do livro? Existe um projeto para transformar o
livro em uma obra universal, em outras línguas?
Martín
– Sim, existe um projeto para sua tradução para inglês e português. Mas, por
enquanto, tudo foi interrompido, já que o livro impresso ainda não foi posto à
venda nas livrarias da Argentina. A quarentena interrompeu a impressão e não
temos uma previsão, por isso a distribuída foi apenas digital, em ebook, nos
EUA e na Europa sob a plataforma Amazon (Kindle) e na Argentina e América
Latina sob a plataforma leviatan.app.publica.la.
Submundo
do Som - Quais são suas considerações finais?
Martín
- O livro tem dois luxos absolutos para mim: por um lado, o prefácio escrito
pelo Juan Data, jornalista especializado em rap, atualmente vivendo na Califórnia.
Por outro lado, uma trilha sonora própria, o grupo ATR (Argentina Tango Rap),
formado pelos irmãos Rucci (ex-integrantes da banda de rap de 9mm) e Smoler
(ex-integrante do Sindicato Argentino de Hip Hop) lançou uma música inspirada
no livro, chamada "De Pibes", um luxo total. A música pode ser
conferida no YouTube. (ou abaixo):
Música "De Pibes", do grupo ATR (Argentina Tango Rap
Submundo
do Som - Para quem deseja acompanhar seu trabalho, saber novidades sobre o
livro, quais são seus canais de comunicação?
Martin - Publico fotografias da história do movimento Hip Hop argentino, em preto e
branco, em minhas redes sociais, quem quiser pode acompanhar por lá: facebook.com/mbiaggini
ou Instagram: martinbiaggini.
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