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A Invasão do Sagaz Homem Fumaça do Planet Hemp

Jeff Ferreira
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Considerado por muitos como o melhor play dos cariocas, A Invasão do Sagaz Homem Fumaça é o terceiro disco do Planet, e em 2020 chega aos seus 20 carnavais, lançado em 2000 sucedendo Usuário, de 1995, e Os Cães Ladram, Mas A Caravana Não Para, de 1997. A produção ficou a encargo do mestre Mário Caldato Jr, icônico produtor dos Beastie Boys e do Jack Johnsonque, quem também produziu a obra anterior da ex-quadrilha da fumaça, também assinam a produção David (O Marroquino) Corcos e a própria banda.

Nesse álbum o Planet Hemp vem com a formação de três MC's: BNegão, Black Alien e Marcelo D2 e uma porrada de gente que somou na banda, a começar pelos integrantes clássicos, Rafael Crespo na Guitarra, Formação no Baixo e o Pedrinho na bateria, que substitui Bacalhau da formação original. Aí vem os agregados: Zé Gonzales e DJ Nuts nos toca discos e MPC, Apollo 9 no mog, arp e clarinet, Jacksom no contrabaixo, Ganjaman nos teclados e Seu Jorge na percurssão, só para citar alguns, no final está a ficha técnica completa.

O disco abre com "12 Com Dezoito" letra que referência os artigos 12 e 18 da lei 6368/76 de entorpecentes, onde o artigo 12 pune a posse de drogas e o artigo 18 menciona o tráfico. Em 1997, após um show em Brasilia, o Planet Hemp foi preso (leia mais aqui), sendo enquadrados nos artigos 12 com 18, e daí veio a motivação para a música, que é levada por D2 e BNegão em cima de um instrumental de rock denso, com scratches do DJ Zé Gonzales e colagens com reportagens sobre a prisão da banda:

"Esse é o lixo da batalha do século
Ilusão versus realidade, compadre
Te escondem a verdade

Código penal ultrapassado
Ditadura cultural, hipocrisia, pura mediocridade
12 com dezoito, 12 com dezoito é o caralho
O bicho vai pegar
Fala sério, pela-saco, fala sério"


A segunda faixa é rock de "Ex-Quadrilha da Fumaça", com o brilhante refrão "adivinha doutor, quem tá de volta na praça?". A primeira parte é Marcelo, a segunda de Bernardo, o BNegão e a última de Gustavo Black Alien, e a letra fala do retorno da banda após tentativas de cesura e até mesmo da prisão dos integrantes:


"Me jogam no 12 por 18, tentando se esquivar

Os cães ladram, mas a caravana nunca vai parar
Planet Hemp, de novo, soltando a fumaça no ar
Só sangue bom, mas duro de derramar"


Seguindo temos "Test Drive de Freio de Camburão", essa vem numa sonoridade puxada ao rap em beat de Zé Gonzales e novamente trás os três MC's, que repetem a ordem de apresentação de seus versos que falam sobre a perseguição da policia aos usuários de maconha, como no verso de BNegão: "Sinistros como os Tonton Macoute, não querem que nada mude, querem deixar o povo eternamente no mute", fazendo referencia ao grupo paramilitar haitiano que defendia os interesses do governo ditatorial do país, eram violentos, usavam mascaras, cometiam assassinatos e foram inspirados na policia fascistas de Mussolini, e aqui a comparação aos militares do Rio de Janeiro:

"É levando a lei pra provar que a banda podre
Não é a própria instituição por inteiro
Vocês vão ter que suar, mostrar serviço e não a arma, rapá
Andar na linha pra mim é o inverso do que é pra você
Não ver que a maioria é suja
É o mermo que acreditar na mula-sem-cabeça e no saci-pererê
Ameaças anônimas ou caras de pré potência
Seu lifestyle não combina com a minha rima
Em cima do ato vocês me acusam de desacato
Mas um soldado do funk só relata os fatos"

O hardcore se faz presente em "Procedência C.D.", uma letra de BNegão que também é cantada por D2, aqui a critica sobre o questionamento da procedência de um baseado e fechar de olhos para a procedência dos juros, taxas e impostos que a sociedade é obrigada a arcar:

"Venha ver um novo parque de diversão

Nele há brinquedos que aumentam a percepção
Visão privilegiada, aumento da consciência
E o nome dessa cria, pergunte a procedência"



Em "Procedência C.D." ouvimos pela primeira vez a citação ao Comando Delta, uma entidade que a banda personifica a responsabilidade de todas as mazelas e prejuízos impostos ao povo brasileiro, e apesar do tom conspiratório sabemos que grupos como os citados na letra são os arquitetos do caos e que recentemente tornaram sua cara mais visível com os acontecimentos da última década no país:


"De acordo com o Presidente da Associação Brasileira dos Agentes da Polícia Federal, uma entidade não oficial denominada de Comando Delta, definida por ele próprio como "fábrica de presidentes", atua no controle total do sistema brasileiro, tendo inclusive realizado uma reunião para a escolha de Fernando Henrique Cardoso. Esta entidade é formada pelos homens mais poderosos do país, como donos de grandes redes de televisão, grandes jornais, instituições financeiras, indústrias farmacêuticas, empreiteiras, entre outras áreas de influência, que se perguntados sobre o assunto, ironizarão e negarão até o fim a sua existência"

"Stab" é um Hip Hop clássico, com referências Afrika Bambaata e The Soul Sonic Force em "Planet Rock", menção aos bboys, e referência a "Corpo Fechado" do Thaide, levado por D2 e BNegão, apesar do beat de Zé Gonzales, tem a guitarra orgânica do Rafael Crespo e a letra fala dessa caminhada do Planet Hemp na música, sobretudo no Hip Hop:

"Voltar rimando na batida, cumpadi é só pra quem pode
Corpo fechado rima acesa, cumpadi ninguém me fode

O bumbo bate forte, só escapa quem tem sorte
Misturo o hip hop samba com o sangue da Zona Norte
E tão impressionante quanto b-boy rodando
Não deixo queimar o meu filme eu tô sempre me valorizando
Revolução quem sabe faz na hora e fica antenado

Nem tudo que reluz é ouro nem televisionado"


Em "Four Track" música de apenas 55 segundos, D2 faz um ragga mais suave acompanhado de um violão psicodélico e setentista de Rafael Crespo, a música continua o conceito do álbum, falando sobre liberdade de expressão e sobre as escolhas da banda, tanto do consumo da maconha como nas mesclas sonoras:

"Eu pego o microfone e vou falando o que eu quiser 
Roda a mão dos homi e vou falando o que eu quiser 
E ninguém corta a minha onda, e eu vou falando o que eu quiser 
E queimo até a última ponta, e vou falando o que eu quiser 
Isso não é da sua conta, eu vou falando o que eu quiser" 

A música sete é "Gorilla Grip", faixa instrumental inspirada em "Time for Livin" dos Beastie Boys em música assinada por Rafael Crespo, sendo o momento das rodas punk durante os shows do Planet Hemp, trazendo uma pegada de skate punk e surf music.

Na sequência um dos grandes sucessos do álbum,a música "Contexto", um samba rap inspirado no trabalho solo de Marcelo, o álbum Eu Tiro É Onda, de 1998. Além de D2, BNegão e Black Alien também rimam, e a discotecagem é de Ze Gonzales, e a banda fala sobre os contextos em que estão inseridos para fazerem música:

"Toco seu terror, Alfred Hitchcock
Revolução no rap, revolução no rock

Hmm, a única teoria que funciona na prática é a do caos
A correria do dia a dia é uma guerra, Camboja e Laos
Planet Hemp de volta no planeta em crise
A única coisa que presta na TV, hoje
São os Trapalhões em reprise"


Outra faixa instrumental é "Dz Cuts" uma collab entre DJ Rodrigo Nuts e Zé Gonzales e ao longo de seus quase três minutos trás colagens do rap nacional com MC Jack em "Vicio", música da versão em CD da coletânea Hip Hop Cultura de Rua e do próprio Planet Hemp:

"Com baseado na mão, Dz Cuts 
Com baseado na mão, Dj Nuds 
Com baseado na mão, Zé Gonzales 
Com baseado na mão Planet Hemp"

Na faixa 10 Nelson Motta deu a nota que hoje o som é rock and roll e mostram seu "Raprockandrollpsicodeliahardcoreragga", um rock com scratches e vocais ragga, com o peso do hardcore e distorção psicodélica das guitarras de David Corcos e Rafel Crespo, além do sample de "Baile No Elite" de João Nogueira, e a abarda a diversidade da banda:

"A riqueza de opções que lhe são dadas é impressionante
Uma variedade imensa de uma unidade
Se afagam ou te apagam, se adaptam ou te cagam pra fora da panela
Monocultura é a maior sequela
Herança Colonial, não reza nessa cartilha, dá processo criminal
Underground ou mainstream a maioria age igual pra mim
Caminhos diferentes que levam pro mesmo fim"

Em "Quem Tem Seda?", a conexão entre o Planet Hemp e o Cypress Hill, com a participação de Senen Reyes, o Sen Dog músico cubano-americano que além do grupo de rap/rock é vocal da banda de heavy metal Powerflo, e aqui fazem um culto a um momento de apreciação da erva, em faixa com sonoridade voltada ao rap.

"Voy a hacer, a ver quien quiere
Fumar la verde, con siendo a reir
Mira, no quiero ser respectivo
Ponga atención a lo que yo digo
Quien tiene, papel para el leño
Si no sabes ven, yo te enseño
Como ponerte bien marihuano
Con un poco de ayuda mi hermano
Y va a fumar, lo mejor del año"

Marcelo D2 rima em "É Isso Que Eu Tenho no Sangue...", feita em beat de Ze Gonzales e David Corcos, o rapper vem mais intimista e fala sobre sua relação com o Hip Hop e como a cultura é importante para si e seu desenvolvimento na música:

"Hip Hop é o ar que eu respiro
A sabedoria de quem não precisa resolver mais no tiro

É o DJ, bboy, MC, grafitero
É isso que eu tenho no sangue, o Hip Hop verdadeiro"


"Quarta de Cinzas" é outra faixa instrumental, mais suave e faz referência a data que marca o final das festividades de carnaval. Rafael Crespo faz a melodia com sua guitarra e é acompanhado pelo contrabaixo de Formigão e a bateria de Pedrinho. A paz sugerida é quebrada pela paulada de "HC3", outro hardcore escrito e cantado por D2 e Rafael Crespo e música assinada por Carlinhos, e fala sobre o Rio de Janeiro e a alucinação promovida pelas drogas:

"Vou guiando pela cidade vou, quebrando os vidros 
Sem sentido algum, ocultado pela fumaça 
Que me leva mais longe que qualquer motor 
Aumento a velocidade, eu vejo tudo mas ninguém me vê"

E fechando o álbum tem a faixa titulo, ou quase, "O Sagaz Homem Fumaça", com participação de Seu Jorge, que nas turnês do álbum assumiu a percussão da banda, enquanto a farofa carioca de D2 e Seu Jorge fazem a letra, e a música é de Daniel Ganjaman e Rafael Crespo e fala sobre cuidado e trabalho numa sociedade hipócrita e com uma policia violenta para aqueles que vêm do gueto: 

"Tá na hora de acordar e manter a cabeça em pé
Vou sair pra trabalhar, defender o meu qualquer

Eu sei muito bem que a vida não é um conto de fadas
Eu uso minha cabeça e ela nunca pode tá parada
Não caio em cilada, e ando sempre em frente
Eu não sou de briga, mas protejo a minha gente"

D2 comenta no livro Vamos Fazer Barulho - Uma Radiografia de Marcelo D2, que o álbum A Invasão do Sagaz Homem Fumaça é o disco mais frio da banda, e foi gravado em sua casa, no estúdio que montou e batizou carinhosamente de Casa do Caralho e lançado pelo selo da banda, Na Moral, foi distribuído pela Sony e o selo Chaos. Esse disco foi abraçado pela critica, pois conseguiu dosar melhor as duas bandas que compõe o Planet, uma de rap e outra de rock, enquanto Usuário é um disco de rock de Garage, Os Cães Ladram, Mas A Caravana Não Para era voltado ao Hip Hop, apesar de ter muito hardcore, e nesse terceiro ato as dosagens são feitas faixas a faixas equilibrando a cozinha original da banda com o duo de DJs e as programações de Apollo 9 e Ganjaman.

Além disso, A Invasão traz um Planet Hemp com rês MC's, algo que os fãs sempre esperaram muito para ver, em Usuário, álbum que os vocais são de D2 e BNegão, Black Alien também participa, mas de forma pontual sem dividir vocais com Bernardo, e em Os Cães Ladram, BNegão deixa a banda, mas gravou o disco todo, então nos shows suas partes são interpretadas por Gustavo, e finalmente nesse disco se pode ver os três rappers dividindo a mesma track.

Em 2020 o disco foi relançado em vinil pela Neves Records, e neste ano tem o lançamento do quarto álbum de estúdio da banda.

Confira o A Invasão do Sagaz Homem Fumaça no Spotify:



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