A emblemática imagem de uma chola, aquelas mulheres com com saia volumosa, chapéu, cabelos trançados e manta sobre o ombro, parece ter pouco a ver com parte do Brasil, mas são símbolo indígena e mestiço na Bolívia, que como aqui, o país foi colonizado e saqueado por europeus, e sua população pobre também sofre preconceito e racismo. Assim como no Brasil, a elite, ou aqueles que pensam ser a elite, se articulam politicamente em prol do fascismo, sob pautas evangélicas e conservadoras, enquanto que aqui um ser humano desprezível foi eleito por cidadãos carregados de ódio contra os mais humildes, tirando seu racismo do armário, na Bolívia foi articulado um golpe de estado que obrigou o presidente Evo Morales a renunciar, após o mesmo anunciar novas eleições, já que o processo que o elegeu fora acusado de fraudulento.
O ato de Evo se deu após a extrema direita do país atear fogo na casa de seus familiares e pessoas ligadas ao governo, seus opositores não queriam apenas sua queda, mas também sua prisão, quiçá sua morte, obrigando o exílio no México. Mas o que o rap boliviano diz desse momento delicado no país? Diferente do Brasil, o rap na Bolívia não teve a mesma ascensão, a cultura Hip Hop no Brasil é mais presente e mais estruturada do que na Bolívia e na maioria dos países da América do Sul. No pais vizinho não há grandes nomes de repercussão que extrapola as fronteiras bolivianas no quesito canto falado, em um artista de projeção nacional no mainstream, os grupos de discussão no Facebook, para o rap boliviano, são comunidades pequenas, cada qual com aproximadamente três mil membros, seria leviano de minha parte afirmar qual a opinião do rap boliviano sobre o assunto tendo essa amostragem e esse panorama, onde não existe um Racionais MC's, que inspira de norte a sul, e emitem uma opinião pública, e que poderia orientar os jovens bolivianos.
Prefeita Patricia Arce, da cidade de Vinta, sequestrada e agredida pelo grupo opositor a Morales, Resistencia Cochala
Porém, o rap não é interpretativo, tem uma estrutura mundial, que tem que funcionar seja no Japão, Alemanha ou Guatemala, que é o combate contra o racismo, o abuso de autoridades, a luta contra o fascismo e as denúncias e protestos em suas letras, além da mensagem de autoafirmação periférica, se não houver isso, de forma sonora pode até soar como rap, mas o contexto histórico diz que não, e eu assino em baixo. Como no Brasil, há pobres periféricos, negros e indígenas batendo palmas para o golpe, com discursos alinhado aos interesses da elite boliviana, com isso muitos jovens que se dizem adeptos ao Hip Hop produzem barbaridades, que chamam de rap, para rechaçar o governo de Evo e compactuar com seus opositores Fernando Camacho e Carlos Mesa.
Jeanine Añez Chavez, beneficiada com o golpe, se auto-proclamou presidenta da Bolívia, apoiada pelos fascistas que curtem seus tuítes
Nación Rap, um dos grupos mais organizados da Bolívia, atuando desde 2007 e formado na cidade de El Alto, com letras de orgulho a cultura cocalera, aos camponeses e indígenas, é um dos que lamentavelmente apoiam o golpe seja compartilhado fake news (como as do Brasil) em sua fanpage ou postando textos de isentos: "Nuestra inclinación no es ni será por la derecha o por la izquierda nuestra inclinación siempre será por la verdad...". Hector Guerra, El Sariri, rapero erradicado fora da Bolívia, chegou a gravar vídeo agradecendo o presidente Evo Morales por todo crescimento econômico do país, mas confiante na transição que o país faz abraçando um golpe fascista, com o mesmo discurso "ni derecha, ni izquierda", mostrando isento quando o assunto é uma opinião menos abstrata, mas que a mudança proposta, a força, pela extrema direita é aceita.
A Rádio Bolívia Rap, que atua como streaming, canal para difundir noticias, virou cabo dos opositores de Morales e cada vez mais passou a compartilhar menos rap para compartilhar as fake contra o governo. E tão complexo como o Brasil, a Bolívia tem um grupo chamado Canciones en Resistencia por Bolívia, especializada em post que exaltam a ultra direita andina. O rapper Dayko MC é outro que comemora a imposição da renuncia de Evo. La Gran Llajta, um dos maiores grupos do país também manifestaram apoio o covarde golpe na Bolívia, sob a alegação de mais do mesmo ao se referir ao partido MAS - Movimiento por el Socialismo. A lista de contentes com a queda de Morales é extensa inclui o rapero Mk Vocero, que até fez música criticando o presidente para deleite da oposição.
A situação boliviana é similar a brasileira, no quesito do discurso de isenção ás claras e de ultra direita e nos bastidores, onde o legado de Evo é posto a xeque, e um golpe baseado no conservadorismo evangélico é posto como uma tentativa de recompor a ordem. Como no Brasil, enquanto o país literalmente pega fogo, rappers isentos dedicam linhas para o life style e as love songs, a diferença é que o trap não está tão em alta no país das cholas!
Foto do Facebook do hermano Alex VJ, boliviano na resistência
A ideia ao construir esse texto foi, ao bater o desespero vendo a Bolívia inaugurar a ditadura militar dos anos 2020, fazer um levantamento de como o rap, gênero musical da cultura Hip Hop, que busca por denuncia e protesto e está sempre do lado do povo oprimido, já que esses quem criaram, por necessidade, o canto falado e afiado, estaria se portando frente a um golpe de estado no país. Queria trazer uma playlist com vários raps que manifestam repúdio ao que acontece no vizinho, mas infelizmente a pesquisa me deprimiu ainda mais, vejo os ditos rapper's bolivianos cuspindo no prato que comeram e dando armas ao inimigo. Aqui o pueblo boliviano, representado pelos raperos ni de derecha, ni de izquierda, podem estar se perguntando "qué carajo yo tengo con eso?",bueno, em primeiro lugar esse texto é para os meus manos bolivianos da resistência, que estão na luta nesse momento e que terão anos sombrios pela frente, como nosotros brasileños! A eles meu máximo respeito. Em segundo lugar, a música não tem fronteira, e nem a vontade se socar a cara de fascista e seus apoiadores, mesmo que indiretos, por fim, somos compatriotas da grande pátria latina-americana, o que me da direito (e dever) de me intrometer!
Mensagem de apoiadores de Evo aos golpistas Mesa e Camalho na cidade de El Alto. Wiphala é a bandeira Inca, que representa os ideais indígenas, queimada pela extrema direita boliviana
“Estamos pedindo como povo altenho que se respeite a nossa Whipala, porque ela representa o sangue Aymara, o sangue Quechua, o sangue Guarani, mas Camacho e Mesa fizeram queimar nossa Whipala. Nós vimos como Camacho chegou até aqui, usa a Bíblia para pisotear o povo Aymara”, disse um líder indígena, respondido com gritos de “Mesa, Camacho, queremos sua cabeça” e “A Whipala se respeita” (Revista Fórum)
Espero em breve trazer uma parte 2 para essa coluna mostrando o contraponto, com verdadeiros rappers que mostram a cara e são resistência.
Pero, no underground boliviano, onde a essência é verdadeira em qualquer movimento, o rap pró Evo Morales tem seu espaço, no vídeo abaixo, apesar de ser de 2018, é inspirado na luta do presidente Evo e já denunciava os abusos da direita, que hoje concretizaram em golpe:
A los bolivianos citados en mi texto ciertamente tienen derecho de respuesta para publicar su punto de vista. Sin embargo, ¡es un incendio en racistas y fascistas!
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