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#DitaduraNuncaMais - Manifesto Popular Brasileiro, do Face da Morte

Jeff Ferreira
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No ano de 2001 o grupo Face da Morte lançou o álbum Manifesto Popular Brasileiro, um trabalho conceitual que teve como objetivo resgatar a memória de eventos de luta e resistência no país. Para auxiliar na concepção da obra Mano Ed e Aliado G partiram para um retiro no interior de São Paulo, levando consigo uma variedade de livros de história que auxiliaram nas pesquisas do grupo.

O Manifesto Popular Brasileiro, em 2019, chega à maioridade, completando 18 primaveras, e no Brasil se torna um registro único e de tamanha importância, pois ataca justamente o ponto fraco dos compatriotas: a memória. Diversas vezes somos traídos pela memória, ou melhor pela ausência dela, isso tem inúmeras justificativas e a principal é o corre-corre do dia a dia, No entanto vai muito além disso, o disco se preocupa com datas de resistência da história do país que caíram no esquecimento, ou dezoito anos depois está sendo reescrita pelos inimigos do povo totalmente deturpada.

No dia 31 de março de 2019 o golpe militar de 1964, que desencadeou em 21 anos de uma ditadura cruel e sanguinária, completa 55 anos. O atual governo comemora essa data e pede que os militares celebrem tamanha mancha em nossa história. Para o presidente, o evento não foi uma ditadura e sim uma revolução que livrou o Brasil do comunismo, e para os adeptos de sua pilantragem e iludidos com sua fala esse papo está sendo digerido e aceito, principalmente entre os mais jovens que nasceram anos mais tarde desse período truculento da ditadura.
Contra capa do álbum Manifesto Popular Brasileiro
O álbum do Face da Morte abre com a música “Fazendo Escola”, uma introdução feita pelo rapper GOG, aqui o poeta fala justamente da juventude, sobre a chama revolucionária em cada um de nós, e cita exemplos como Marighela, Lamarca e Oswaldão, guerrilheiros que lutaram contra a ditadura militar, deram suas vivas para que pudêssemos respirar democracia. Na faixa seguinte, “O Julgamento”, o grupo deixa o clima mais tenso e convoca todo o Hip Hop nacional para a ação direta, como porta-vozes do povo, realizando um julgamento, no melhor estilo tribunal de rua, de políticos corruptos e salafrários.


Na faixa “Anos de Chumbo” o grupo narra o que foi o período brutal do regime militar, mortes, prisões, perseguições, desaparecidos, queimas de livros, torturas e um clima de total pânico e terror agradando somente os mais ricos que buscavam a manutenção dessa situação para preservar seus interesses pessoais. E é esse cenário caótico que os brasileiros esqueceram, alguns que viveram naquele tempo são saudosistas a tortura e perseguição, como o presidente, outros tiveram algum lapso de memória e se esqueceram como o período foi cruel e são capazes de ver algo bom nisso, como o cantor Amado Batista, que relembra desse período dizendo que foi torturado porque mereceu.

A faixa quatro, “Churrasco”, apresenta um excelente beat com sample de Jimmy “Bo” Horne, em “You Get Me Hot”, de 1979, essa track traz uma amenizada no clima, falando de uma celebração entre chegados, porém sem deixar de ser incisiva, criticando a mesma falta de memória, como a de se enxergar como oprimido pelas mazelas capitalistas e o desinteresse pela luta de classes, por exemplo, as necessidade básicas para o barraco e a quebrada sendo esquecidas em prol da alimentação de uma imagem fake, atrás de “views” e “likes” da vida real, numa época antes da internet.

Prosseguindo temos a clássica “Caravana”, aqui toda a veia poética de Aliado G é posta em evidência, ao sample de “Caravan of Love” da banda Isley Jasper Isley, puxando na memória o tempo de criança, as brincadeiras e o sufoco proletariado dos pais, abordando a criminalidade, a prostituição, a bruscalidade militar e o amor como ferramenta de transformação. “Caravana” é uma música que apela a memória afetiva de cada um de nós para que vivemos em paz e harmonia, aprendendo com exemplos e os erros de outrora.

Outro grande clássico do álbum é “Mudar o Mundo”, como o titulo sugere a música fala do mundo doente em que vivemos e da esperança que está em cada um de nós para um futuro melhor, e como a classe politica corroborou para o status quo negativo do tempo atual, como a questão agrária, onde há poucos donos para imensidões de terras e aqueles que buscam um pedaço de chão para plantar e colher não têm um palmo de terra, e são taxados de terroristas pelo governo brasileiro. Destaque para a magia do beat feito em cima do som “Easy” do Commodores.


Na sequência a vinheta “Eu Sou Lavrador”, que dá continuidade ao assunto da canção anterior, porém sem letra, só com a real vivencia de um trabalhador rural, que através de sua voz sofrida narra seu trabalho e angustias. Depois temos a música “Caipira”, mais uma vez o grupo puxa na memória suas origens, de estar no interior de São Paulo, se assumir como um caipira aprendendo a rimar, usando colagens de Zé Ramalho e lembrando-se dos meninos do sertão, numa bonita melodia para uma música sobre a humildade.

Fechando o álbuns tem as quatro últimas faixas que compõem o calendário do Manifesto Popular Brasileiro, divididas em trimestres, sendo “Janeiro, Fevereiro, Março” que narra os acontecimentos desse período, seguida por “Abril, Maio, Junho”, e assim por diante. No calendário são apresentadas datas históricas brasileiras de diversos anos, desde das revoltas do final do século XIX até acontecimentos da década anterior ao lançamento do disco, abrangendo o maior número possível de fatos marcantes em cima de beats que ajudam a trazer a atmosfera da narrativa. "Julho, Agosto, Setembro" e "Outubro, Novembro, Dezembro" fecham com maestria o épico álbum.



Face da Morte é um dos grupos do rap nacional com a discografia mais contundente, com letras reflexivas e forte teor de ideias revolucionárias, para abrir a mente de todos os manos para que caminhamos juntos, pois o inimigo é comum. O fantasma da ditadura volta a nos assombrar 34 anos depois, com acenos e flerte daqueles que deveriam olhar pelo nosso povo, mas que preferiram a nostalgia dos Anos de Chumbo, mostrando força através do autoritarismo e repressão. E para que a corda não arrepende para o lado dos oprimidos, esse álbum serve como trilha sonora, convido a ouvirem o Manifesto Popular Brasileiro, logo abaixo, jamais baixar a cabeça e bradar juntos #DitaduraNuncaMais.

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1Comentários

  1. Baita texto! Lindo mesmo irmão! Parabéns! É uma pena que a época do lançamento desse álbum o acesso aos álbuns de rap era bem mais limitado, ao menos para nós aqui no Sul. Ainda bem que podemos revisitá-lo, graças as plataformas digitais dos dias atuais. Forte abraço camarada!

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