O Submundo do Som prometeu e está aí, segunda parte da entrevista com o grupo Face da Morte, essa voltada para o inicio do grupo, curiosidades e um papo sobre politica, confere aí! E clique aqui para conferir a Parte I.
Submundo do Som - O quarto disco foi o "Manifesto"?
Face da Morte – Sim, foi o "Manifesto",
aí depois fizemos o "Face da Morte - Ao Vivo", e foi no "Feito
no Brasil" que estreei com músicas compostas só por mim, tipo a faixa título.
Foi uma puta responsabilidade, por que você pega a discografia anterior, todos
emplacaram músicas no cenário do rap brasileiro, "O Crime do
Raciocínio", "Quadrilha de Morte", "Meu Respeito Não Enrolo
numa Seda", todos esses tiveram clássicos.
Submundo do Som - São discos que formaram culturalmente
muitos jovens de periferia, e ajudaram a moldar o senso crítico de amantes de
rap, no geral. Um cara hoje, de 30 ou 35 anos, cresceu ouvindo Face da Morte.
Face da Morte - Sim, nossas músicas começaram a
explodir no final dos anos 90, comecinho dos anos 2000, e nessa época a
gente fazia muito show, muitos trabalhos, e a galera que curtia essa fase, está
com seus 30 e poucos mesmo, outros chegando aos 40. A gente precisa entender
que a música não tem idade, não tem cor, não tem cheiro, não tem sexo. A música
é a música, e precisa entrar no coração do playboy, que mora na parte nobre,
até o menininho que tá limpando o nariz numa viela, na quebrada. Nossa música
precisa atingir todo mundo. E o Face da Morte tem uma particularidade que
extrapola as barreiras do rap, conheço várias pessoas que não são adeptas do
hip hop e curtem o Face da Morte, por que a gente pega essas influências,
músicas de outros artistas que não são do rap e traz para dentro do rap, e essa
mistura é uma das coisas mais legais que o Face da Morte tem.
Submundo do Som - O trabalho do Face da Morte com sample é
incrível e casa com esse “visionarismo” do Aliado G, mas hoje a gente se
preocupa com o rap, pelo fato dos grupos não terem mais a figura do DJ, que é
muito importante pelo seu papel, e também para a questão da pesquisa. No disco
"Manifesto", foi um verdadeiro trabalho de resgate da música
brasileira, como cita a letra, né?
Face da Morte - O "Manifesto
Popular", talvez seja um disco que nós colocamos uma maior carga
ideológica, onde fizemos um trabalho que já sabíamos que não seria para as
massas, um álbum mais restrito. Ali falamos sobre a ditadura militar, tem um
calendário brasileiro das revoltas e manifestações que ocorreram ao longo da
história do Brasil. Quando fizemos esse disco optamos por fazer esse papel de
provocar o debate, de levar para a molecada essa informação que eles não têm na
escola, não têm na faculdade, essa era a ideia. Esse disco é do ano 2000, e
agora recentemente, uns três anos atrás, o Mano Brown fez uma música sobre
Marighella, e isso nós fizemos lá trás, não só sobre Marighella, mas sobre toda
a época da ditadura militar, do AI-5, dos anos de chumbo.
Submundo do Som - No "Manifesto", vocês falam sobre
"o acesso da internet da favela", porém nessa época, ano 2000, o
acesso à internet não era simples, e o grupo fez um baita trabalho de pesquisa,
principalmente nas quatro últimas músicas, as do calendário, como foram feitas
essas pesquisas?
Face da Morte - Eu e o Aliado fizemos um
retiro, fomos para uma pousada, aqui no interior de São Paulo, e levamos uma
carreta de livros, e fizemos uma pesquisa bem aprofundada, e fomos tendo as
ideias para as músicas, e era tanta informação que precisamos fazer um
calendário com uma música para cada trimestre, pra relatar os fatos que nós
entendemos que precisavam entrar ali. É como se fosse a assembleia que fizeram
para ver quais os livros entrariam na bíblia, ali fizemos a nossa assembleia
pra decidir que fatos entrariam ali no calendário.
Submundo do Som - O disco "Manifesto" é um trabalho
mais conceitual, se comparado com os outros discos.
Face da Morte - Exatamente!
Submundo do Som - E o DJ Viola mano? Não voltou junto com o
Face da Morte?
Face da Morte - O Viola ele tinha se desligado
do grupo antes mesmo da gente dar essa pausa, ele tinha trabalhos paralelos,
ele sempre foi DJ de baile, e sempre trabalhou com outras vertentes, quando ele
começou a trabalhar com o funk entendemos que o Face da Morte não seria o
melhor caminho pra ele trilhar, e foi de comum acordo, aí ele resolveu se
desligar do grupo, e foi de boa, a relação continua de boa, e desejamos toda a
sorte do mundo pra ele em todo trabalho que ele for fazer.
Submundo do Som – Depois
do “Manifesto”, veio o “Feito no Brasil”, que é um disco duplo, e teve bastante
música, bastante participação, como por exemplo o Inquérito. Como foi essa
parada?
Face da Morte - Ali a gente começava a lapidar essa jóia que é o Inquérito, que
hoje se tornou esse monstro no rap brasileiro. É indiscutível o talento do
cara, e o que eu acho mais interessante é que ele rompeu as barreiras do rap. Ele
é escritor, poeta, professor universitário, que eu acho do caralho, e o rap
precisa disso também.
Submundo do Som – E mesmo na música, os feats do
álbum dele fogem do que é tido hoje no “rap game”.
Face da Morte - E a gente tem orgulho de falar que ele é um cara que saiu de
dentro do selo do Face da Morte, temos orgulho em falar que fizemos os
primeiros discos do Inquérito, muito nos orgulha ver o conteúdo dele, o caminho
que ele tá trilhando. São muito importantes, os saraus que ele faz, a poesia
que ele leva, vejo ele falar com um moleque de seis anos e é muito legal. E ele
roda o mundo, foi pra Portugal, e se não me engano o orientador dele é
português e ele foi pra lá pra terminar uma nova graduação dele, ele é do
caralho!
Submundo do Som - Quando o Face da Morte anunciou o seu
retorno, o nome da Nicole estava cotado para integrar essa nova fase, mas não
rolou, o que houve mano?
Face da Morte - A Nicole é o
seguinte mano, acabou que a gente não teve um consenso, por que ela é mãe né,
cara? E também acabou de conseguir um emprego na prefeitura de Hortolândia, e
ela disse que talvez isso pudesse atrapalhar um pouco, eu disse que tudo bem,
entendo o lado. E talvez para um futuro buscaremos um novo backing vocal.
Submundo do Som – Voltando
ao “Feito no Brasil”, que é um disco duplo, como veio essa ideia de lançar esse
trampo?
Face da Morte - Disco duplo acho que foi uma tendência que não pegou, foi
resultado de um desafio meu e do Aliado, foi um segundo retiro que nós fizemos
para gravar um disco. O desafio nosso era fazer uma música por dia, e nós
tínhamos dez dias, ou seja, tinha que sair vinte músicas, e ai então iríamos fazer
dois discos. E nós conseguimos, fizemos uma música por dia. Todas as músicas do
“Feito no Brasil” foram feitas cada uma num dia, e aí lançamos um disco duplo para
caber tudo.
Submundo do Som – Os
trabalhos gráficos das capas dos discos “O Crime do Raciocínio” e “Feito no
Brasil” são sensacionais, você lembra como foram feitos?
Face da Morte - “O Crime do Raciocínio” foi feito por um amigo nosso aqui de
Hortolândia, chamado Éder. Ele é um puta desenhista, não precisa nem falar, só
você ver a caricatura que ele fez da gente. Na época a gente passou pra ele a
ideia, e ele fez esse trabalho sensacional da capa. Agora o “Feito no Brasil”,
a história é mais curiosa, um fã entrou em contato, ele ligou em casa, na época
não tinha celular, mas tinha meu telefone na contra capa do disco, por que
sempre fomos nós mesmos que produzimos e marcávamos shows, e aí ele ligou e
disse que era fã de Ilha Bela e que tinha uns desenhos com contexto social e
gostaria de mandar pra gente, e mandou, e foi justamente no momento que nós
estávamos procurando uma ideia para a capa do disco, aí pedi pra ele ceder pra
nós aqueles desenhos, ele cedeu e escolhemos as que tinham mais a ver com o
contexto e fizemos a capa, o cara é um puta artista, Wellington é o nome dele!
Submundo do Som – Depois veio o “Face da Morte - 12 Anos”, que foi um disco mais tocado,
com bastante presença de instrumentos, o que fugia um pouco da estética do rap,
naquela época, qual era a ideia ali?
Face da Morte - Esse é um disco com pouco sample, ele é mais orgânico. A gente
optou por ter mais instrumentos, musicamos mais esse disco, levamos para o estúdio
em Piracicaba e a gente optou por instrumentalizar mais esse disco, levamos
guitarristas, baixistas, violinista, baterista, e foi uma experiência muito
gratificante fazer esse disco assim.
Submundo do Som – Tem
as faixas “Libertadores” e “Periferia É Foda” que têm guitarras marcantes e que
se destacam. O grupo procurou esse conceito? Como foi colocar instrumentos
orgânicos?
Face da Morte - A gente sempre bebeu numa fonte bem diversificada, se você olhar
nós sampleamos Zé Ramalho, sampleamos Commodores, sampleamos Bob Marley. Então
a gente é muito eclético no que escutamos, bebemos em muitas fontes. A música
popular brasileira é uma fonte inesgotável, ainda tem muita coisa para ser
utilizada, e pretendo usar. Mas você sintetizou bem, era um conceito novo que
queríamos experimentar e trazer para dentro do rap, e eu gostei muito do
resultado final.
Submundo do Som
- A música “A Vingança” e a
música “48 Horas” se conversam? Elas contam a mesma história?
Face da Morte - Boa Pergunta! A música A Vingança é a junção de alguns fatos
verídicos que aconteceram com pessoas próximas de nós, inclusive o fato de ser
abandonado pelo pai eu posso revelar que foi o Viola, os demais não posso abrir
quem foram, mas que foram pessoas que conviveram com a gente. A música “48
Horas” é sim uma continuação da música “A Vingança”, é como se desenrolou a
história do cara, depois que ele cresceu e não pendurou as armas. Agora estou
pensando em lançar uma música especifica chamada “A Vingança parte 2”, algo para
o futuro, com um vídeo clipe, com artista do hip hop participando e tal, vamos
ver se ano que vem desenrola.
Submundo do Som – E a música “Coração de Mãe”? É
uma continuação de “48 Horas”?
Face da Morte – (Risos) É, elas têm uma proximidade, e até uma musicalidade
parecida, e apesar disso, não têm ligação, essas pessoas não se encontraram.
Essa não é uma continuação.
Submundo do Som – Tem uma música “Minha História”, que
o Aliado G narra a família de vocês, como foi formada, isso é massa mano!
Face da Morte - Essa música, o Aliado ele resumiu como se constituiu nossa
família, somos irmãos de sangue, e ele narra como meu pai encontrou minha mãe
no interior de São Paulo, naquele contexto de zona rural, onde o pessoal ia na
casa um dos outros pra rezar o terço, nas sedes de fazendas, e ai eles se
casaram e tiveram o Erlei, depois vieram para Hortolândia, e me conceberam,
depois veio a minha irmã mais nova, e
ele faz essa narrativa que é uma coisa bem interessante, e tem a base do
Michael Jackson, na verdade Jackson Five, a “I’ll Be There”, uma canção bonita.
Submundo do
Som – Qual
a diferença de idade sua e do Aliado G e como começou o Face da Morte?
Face da Morte - A diferença é de 7 anos. O Aliado tinha parado com música, ele
era DJ de baile, e ele tinha parado, por que a mina dele tinha engravidado, e
ele precisava de grana, e ser DJ de bailinho não dava retorno, e ai ele parou.
E os amigos dele tinham um grupo de rap chamado “Da Masters MC’s”, e
participaram de um concurso em São Paulo, cujo o prêmio era gravar uma faixa
num disco, e eles ganharam, e chegaram no Aliado, que na época se chamava
“Grand Master Erlei”, e o convidaram para ser o DJ do grupo, ele topo e foi. Só
que aí o Aliado começou a compor as letras do grupo, e o pessoal não curtia...
Submundo do Som –
Muito politizada para época?
Face da Morte - Não sei te precisar, mano, mas o fato é que os caras não
curtiram e o Aliado resolveu sair, e montar um grupo para ele mesmo cantar as
letras que ele escreveu. E ai ele pegou e me chamou, eu tinha 14 anos e
conhecia as músicas, por que ele gravava as fitas e levava pra casa pra eu
ouvir, desde cedo eu tive influência dele, ele ficava lá no quarto com os toca
discos e eu chegava junto, e também fui b.boy, não dos bons (risos), mas fui!
Ele chegou e disse que ia gravar amanhã, e que eu seria o parceiro dele. E
fomos para o estúdio, se você pegar o disco “Meu Respeito Não Enrolo Numa Ceda”
eu quase não tenho voz, eu era muito novo, e não sabia todas as letras,
aprendia no estúdio. Foi tudo muito as pressas por que o Aliado tinha
conseguido um contrato para gravar um disco, naquela época precisava de uma
gravadora, era muito mais complicado, e ele conseguiu mostrando a letra dele
pro Donizete Sampaio, hoje falecido, na época dono da TNT Records, que lançou
as coletâneas “Dinamite”, ele nos deu oportunidade.
Submundo do Som - Ed, entrando um pouco no assunto política, o Face
da Morte sempre mostrou seu posicionamento nas letras, mas como você vê esse
caos político em que o Brasil se meteu? Essa onde crescente do fascismo,
racismo e machismo, quais você acredita ser nossas armas para combater isso?
Face da Morte - A gente
entende que educação e conhecimento são as armas para qualquer questão. É
necessário, que você coloque nas cabeças das pessoas que não é dando armas para
as pessoas, que não é legalizando armas que vamos resolver os problemas do país.
Você precisa criar mecanismos para que as pessoas tenham acesso a cultura e
educação de modo que eles tenham uma outra visão. Muita gente pratica o
fascismo e o racismo sem saber o que é isso, muitos pedem candidatos aí que
estão se dizendo o salvador da pátria, o messias, mas não é! Na verdade, são
pessoas ignorantes, que se dizem ser honestas, por que o povo está saturado com
a política no Brasil, e eles acham que a solução é colocar alguém honesto lá,
mas não é bem isso, precisa de alguém com um projeto para o país de
desenvolvimento nacional. Não precisa de um cara que fala em armar todo mundo,
de proibir e censurar, com uma ditadura enrustida, não vai resolver. Tem muitas
questões que devem ser discutidas mais a fundo, como a questão do aborto, da legalização
da maconha. Muitos falam que não são a favor do aborto, mas no Brasil tem mais
de 6 milhões de mulheres que os filhos delas não têm pai para registrar, quem
abortou foi o pai! Quantos moleques iam sair do tráfico se a maconha fosse
legalizada? Pelo menos descriminalizada para uso medicinal? Então são debates
que precisam ser provocados dentro da sociedade, mas sob uma ótica sem o
fascismo, e sim para entender o porquê de tudo isso. Esse momento que o Brasil
atravessa é muito delicado, nós temos um governo golpista, e isso é um fato, é
um governo ilegítimo que não teve votos e se apoderou e está a favor dos
banqueiros e de interesses de outros países, com nenhum interesse pelo povo. É
necessário tomar de volta o poder e conscientizar as pessoas, e não colocando
armas, nem falando que bandido deve morrer, temos que evitar que nasçam os
ladrões, temos que ter projetos para reintegrar essas pessoas. Precisamos de um
governo com projeto de crescimento econômico, o que temos hoje é um modelo
cortando gastos da área social, os projetos que envolviam bolsas para pessoas
que precisavam, estão sendo cortados, a ciência está indo por água abaixo. O
Brasil tem uma geografia privilegiada, tem mão de obra, tem recursos naturais,
dá para fazer muita coisa, basta querer.
Submundo do Som – Em 2015 o Face da
Morte lançou uma música nova, “Maloqueiro”, como que foi fazer esse som?
Face da Morte - Essa tem uma
história curiosa, o Robin me chamou para fazer uma música, ele tinha um grupo
na época que se chamava “Porta Voz”, e ele queria uma participação minha, aí
fiz a letra, ele fez a parte dele, e sugeri de usarmos uma base antiga do
Face da Morte, que foi usada lá traz no Manifesto, numa das músicas do
calendário. Aí mostrei para o Aliado G, e provoquei ele, dizendo que precisava
de uma canetada dele, aí ele olhou, pensou, e falou “beleza, eu vou escrever
também”, não aguentou o cheiro da brilhantina e foi. Isso por que ele disse que
já tinha parado ali. A música era para o disco do Robin, mas todo mundo
concordou que ficou com a cara do Face da Morte, e pedimos para lançar como
FDM, e o Robin um moleque humilde, sem ego, cedeu numa boa, e naquele momento o
grupo fazia 20 anos de estrada, e esse foi nosso presente para os fãs.
Submundo do Som – Que sonhos que você
têm nessa caminhada pela música com o Face da Morte?
Face da Morte - Resgatar mais
mentes e corações, quanto mais mentes e corações forem resgatados, melhor para
o mundo. Você já assistiu aquele filme “A Lista de Schindler”? Basicamente isso
aí, nós somos o Schindler.
Submundo do Som - E qual seu recado final Ed?
Face da Morte - O Face da
Morte ta de Volta, está em atividade, e podem esperar de nós o que sempre
esperaram: atitude e proceder através da rima!
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