Extraido do Livro - Manguebit a Revolução da Lama de Jeff Ferreira
Gilmar
Correia da Silva, mais conhecido por Gilmar Bolla 8 ou Boina, é o
percussionista da Nação Zumbi, tocando sua alfaia, é um dos fundadores
da Movimentação do Manguebeat. Gilmar Bolla 8 também é vocalista do
grupo Combo X, que mistura a percussão do maracatu com os ritmos
modernos do rap e rock.
O
Malungo concedeu entrevista exclusiva para esse livro, onde detalha seu
ponto de vista sobre o Manguebit e a cena atual da música em Recife,
como também relembra o inicio do movimento e a construção de Chico
Science & Nação Zumbi. Abaixo a entrevista na integra:
Primeiramente agradecer ao parceiro Gilmar pela colaboração nesse projeto, e pela sua importância histórica no movimento Mangue.
Quem é Gilmar Bola 8 como pessoa e como músico? Quais as origens e influências em sua vida?
Gilmar
Bolla 8 é uma pessoa calma, que leva uma vida normal, de um cidadão
brasileiro normal. No palco gosto de trabalhar música, por isso sou uma
pessoa calma, estou realizando minhas vontades naquele momento, que é o
momento de celebração do dia, que é o show.
A
influência é de música africana, afro-brasileira, música de terreiro
mesmo, música do subúrbio, essa é minha influencia. Gosto também de
black music, das música que tocava nas FMs dos anos 80, Afrika
Bambaataa, outras coisas que tocavam também, como Gilberto Gil, Caetano
Veloso, todo aquele ramo da MPB que tocava na FM, Alceu Valença. Meu pai
também tinha muitos discos em casa, então escutei muita coisa dele,
Martinho da Vila, Ari Lobo, Jacson do Pandeiro, várias coisas de
gafieira, afro-cuba, samba enredo, forró, Luis Gonzaga, é isso.
Minha origem é de um cidadão que não é um classe média, mas transito normal pela sociedade, normal. Sou uma pessoal normal.
Como era o cenário musical de Pernambuco antes do instinto coletivo do Manguebit?
Pernambuco
não tinha essa cara musical que tem hoje, agente fazia pequenos shows,
tinha muitas bandas, mas bandas de cover, e também tinha muitas bandas
que gravavam, mas não tinham projeção nacional. Quando surgiu o Mangue,
que a mídia falou que era o movimento Manguebeat, era a cooperativa de
duas bandas que se juntavam e alugavam um salão, ou um bar para fazer
uma festa, era bem pequeno esse intuito de lançar disco, quase não se
ouvia falar de uma banda que ia lançar disco. Hoje não, agente já
consegue fazer 60 discos por ano. Teve ano que Recife foi o lugar que
mais lançou disco, hoje agente tem uma lei de incentivo no estado que
ajuda qualquer banda que esta começando a lançar um disco.
Como
começou a idéia de fazer analogias entre o a geográfica local com o
habito das pessoas, ou seja, relacionar o mangue com Recife e essa
história de Manguetown?
Essa
coisa de colocar o dia-a-dia nas músicas, isso normal, por que as
músicas que agente faz, principalmente a Nação Zumbi, é uma música bem
regional com pitadas de universal, assim com guitarras elétricas e
instrumentos elétricos, como sampler, baixo, guitarra, teclado. Então a
música da gente é uma música regional e por serem usados instrumentos
eletrônicos ela se torna universal.
Como se formou a banda Chico Science & Nação Zumbi? Como você conheceu o Chico? Conta essa história.
Eu
conheci Chico em uma empresa de processamentos eletrônicos da
prefeitura, ele falou que gostava de musica eu também falei que gostava e
que tinha uma banda, ele procurou saber que banda era essa. Eu falei
que era uma banda de Samba Reagge e que tocava covers de Olodum e outros
grupos Afros, e que as mensagens que essas musicas passavam era de
auto-estima do povo negro. Chico era muito ligado a essas coisas de
Panteras Negras, de black music, e ele falou que também tinha uma banda,
e que a banda dele tocava funk, rock, e que tava ligada nesse processo
de conscientização do negro.
Então
levei ele para um ensaio num lugar chamado Daruê Malungo, que é no
bairro de Chão de Estrelas, que já é Recife, por que Peixinhos, onde eu
morava na época, é Olinda. Então o levei pra ver um ensaio no dia de
sábado no Daruê Malungo e lá ele começou a se identificar com o que viu:
aula de capoeira, aula de dança, de frevo, gente plantando milho pra
colher, pra comer, era uma horta, um quilombo urbano. La se trabalhava
todo esse tipo de cultura que agente vê aqui nos bairros de Recife ou da
Zona da Mata, lá tudo isso agente trabalhava, tudo isso. Então ele
começou a freqüentar mais o Daruê Malungo e participar de algumas
apresentações do Lamento Negro.
Foi
ai que rolou o convite da gente fazer uma banda juntos, Chico disse:
“Vamos fazer outra banda, vamos juntar os meninos do Lostal com os
meninos do Lamento Negro, e fazer uma grande alquimia musica”, então
quando foi um dia ele ligou no meu ramal, lá na EMPREL, onde a gente
trabalhava, e ele falou: “Eu já tenho um nome pra essa banda, o que você
acha de Zumbi?”.
Ai eu
disse: Zumbi? O Zumbi que eu conheço é um líder negro, o líder dos
quilombos dos Palmares”. Ele disse “esse mesmo, eu to com vontade de
colocar Nação Zumbi. Chico Science & Nação Zumbi”. Então ele falou
que Nação era por causa das nações do maracatu, que era coisa das nações
africanas e Zumbi em homenagem ao Zumbi dos Palmares. As pessoas já
chamavam ele de Chico Science, por causa das misturas que ele fazia na
música, então chamavam ele de cientista, ai virou Chico Science, quem
colocou esse apelido nele foi Renato L, então ele [Chico] juntou os dois
nomes e surgiu o Chico Science e Nação Zumbi.
Qual foi o melhor momento que você viveu ao lado da Nação Zumbi?
Os
melhores momentos da Nação Zumbi foi agente compor todos esses discos
que agente compôs até hoje. E quando era mais jovem, assim no primeiro
disco e no segundo, quando o Chico estava, o processo era bem
democrático de criação da música, aonde qualquer um podia puxar um tema e
ser seguido e depois ser trabalhado até virar uma música, e esses
primeiros discos foram bem bacanas, até por que Chico estava presente e
ele sempre dizia quais eram as bases que ele queria cantar, e ai agente
ficava trabalhando mais até chegar em um denominador comum pra todo
mundo e o Da Lama ao Caos e o Afrociberdelia são bem isso ai, foram bem
legais de compor esses discos.
Como é o processo de composição da banda?
Então,
agente entre no estúdio e começa a tocar vários temas e um tema que tem
muito a cara da banda ou que tem alguma coisa que já se parece com o
que o vocalista, no caso o Jorge Du Peixe, quer cantar, agente começa a
trabalhar mais essas bases até virar música.
Vocês pensaram em parar com perca do Chico?
Não,
quando a banda se juntou pela primeira vez, depois que Chico tinha
falecido, foi um momento bem triste, agente tava numa sinuca. Um artista
plástico, chamado Forfun, reuniu todo mundo, acho que o Andre também
tava ali junto, pra dizer que continuasse, que era uma coisa que Chico
queria, e agente ficou pensando nisso, uma coisa que Chico lutou tanto
pra fazer, que foi essa banda, e só por que ele se foi agente não pode
parar com isso, mas agente tinha que se recuperar daquele baque.
Então
foi uma coisa bem lenta, até voltar de novo, ai agente foi convidado
para fazer um festival, chamado Festival Heineken, que o Arthur Linds
convidou agente, e foi bem bacana, agente deu o start ali, depois que
Chico faleceu agente deu o start ali pra voltar à banda, no Festival
Heineken, convidado por Arthur Linds.
O que mudou no Manguebeat depois de Chico? Você acha que o movimento enfraqueceu?
O
movimento com Chico à frente, esse ninguém iria ver mais, por que Chico
havia falecido, mas continuamos a fazer discos, o Mundo Livre continuou
a fazer discos. Mas em Recife tem uma coisa assim: as pessoas que
trabalham com músicas não divulgam a música do recifense. Então isso
parece que enfraqueceu, mas as pessoas que fazem a música ainda
continuam fazendo seus discos, fazendo suas produções, e continuando
fazendo suas turnês, nacional e internacional, por isso eu acho que o
movimento mangue, o movimento de Recife de música não parou. As
expressões que estavam juntas naquela época, o cinema, o teatro, a moda,
todas as pessoas continuam fazendo isso em grande escala. Acho que
continua ainda a coisa do movimento mangue.
Nos
tempos de Science as letras faziam referencia a lama, mangue,
caranguejo e etc. As novas letras da Nação, ou mesmo de outras bandas
pós explosão do Manguebit, não trazem essa mesma referência. A que se
deve esse fato?
Esse fato se
deve por que Chico se inspirava em Josué de Castro pra falar e compor
as músicas dele, e algumas coisas ele queria juntar sociologia com
natureza, e era como ele comparava as pessoas que viviam do mangue, do
rio, do mar. Como a cidade é uma cidade estuário, onde existem rios
desaguando no mar, e as pessoas vivem de vender frutos do mar e tal é
quando faz-se essa analogia ao mangue mesmo. E hoje Jorge compõe muita
coisa assim, e não traz isso a tona pra não ser igual a Chico, ele tem o
jeito dele de compor, e Fred Zeroquatro também.
Nos
primeiros shows de Chico Science & Nação Zumbi e do Mundo Livre,
com os olhos da cidade, com os olhos daqueles primeiros repórteres que
começaram a nos ver, quando a banda era demo ainda, agente conheceu um
jornalista que se chamava Zé Teles, e ai ele comparou os dois jeitos de
escrever, que era o de Chico e o de Fred Zeroquatro. Ele disse que Fred
Zeroquatro tinha mais o estilo Bandido da Luz Vermelha e pediu pra Fred
ler esse livro, e para Chico, ele comparou as coisas que Chico escrevia
com Josué de Castro, e falou de Josué de Castro que era um sociólogo
pernambucano e pediu pra Chico ler “Homens e Caranguejos”, Chico leu
também e se identificou muito com isso.
Como
você vê o Manguebit, em relação as áreas que o movimento influenciou,
como a moda, literatura, artes plásticas e etc. Há muito trabalhos de
conclusão de faculdades e pós graduação sobre o Manguebit, como é isso
pra você?
Então, já dei
inúmeras entrevistas pra universitários de algumas partes do mundo, do
Canadá, dos Estados Unidos, da Europa também já veio muita gente atrás
procurando saber do Manguebit.
Eu
acho que o Manguebit foi bem longe, atingindo outros continentes, e
quando se começou isso, era só uma brincadeira para se injetar energia
em Recife que já foi a quinta pior cidade do mundo.
E hoje em dia? O que é o Manguebit?
Manguebit
hoje em dia, quando se fala Manguebit se lembra logo de Recife e se
lembra da música que recife faz, apesar da gente ter influenciado na
literatura, no cinema, na moda, mas quando se fala Manguebit se lembra
logo da música pernambucana.
E o Combo X? Como urgiu essa idéia? O que é exatamente esse projeto?
O
Combo X começou logo com Combo Percussivo, que era oficinas que eu dava
junto com algumas pessoas lá de Peixinhos, então agente conseguiu
juntar vários ogans de candomblé e alguns meninos que estavam começando
na percussão também, e ai quando eu estava em Recife eu me ocupava com o
Combo Percussivo, e depois de três anos agente trabalhando essa coisa
do Combo Percussivo, de percussão e de voz, agente participou de um
festival de musica patrocinado pela prefeitura de Recife, e nesse
festival agente conseguiu ficar em terceiro lugar. Como agente não
ganhou premiação, já que o primeiro prêmio era um disco, era compor um
disco, agente não desanimou e ai fizemos o nosso disco que começava tudo
pela percussão.
Só que o
disco foi ficando bem legal, e algumas participações de guitarra, de
teclado, de baixo e de sopro e viraram outras musicas e ficou mais pop e
ganhou novos arranjos. E hoje a gente chama de Combo X, porque o décimo
integrante da banda faleceu, e agente mudou pra Combo X, representando o
Arlisson. Chegamos a esse disco que já foi escalado até no Grammy como
um dos melhores discos da America Latina.
Qual a maior dificuldade de ser músico no nordeste brasileiro? É difícil levar shows para o sul e sudeste?
É
difícil! Levar os shows até o sudeste é difícil. Por que somos uma
banda sem gravadora, sem grandes patrocinadores para divulgar a música,
então agente trabalha no underground, trabalha no subterrâneo. Quando
uma empresa como o SESC-SP se interessa pelo show da gente é que nós
podemos ir ate o sudeste, saindo daqui.
É
difícil aqui no nordeste, por que a cidade que agente mora, Recife, é
uma cidade pequena, e não tem tantas casas de shows. Tem casas de shows
de porte grande e pra elas uma banda como o Combo X não é interessante
estar lá, por que agente não tem gravadora, e não é interessante
trabalhar com uma banda do subterrâneo recifense.
As
rádios também não tocam as musicas, por que não tem gravadora pra dar
um apoio financeiro às rádios, e ai a bola de neve só faz aumentar, por
que os DJs local não tocam, ao contrario de uma cidade como Belém, aonde
você mesmo faz sua produção caseira, e de dentro de casa consegue tocar
na rádio essa mesma produção, e consegue vender na cidade mesmo esse
disquinho feito em casa. Aqui em Recife se tornar difícil, as pessoas
daqui mesmo não divulgam, as rádios não tocam, os DJs não tocam, então
começam a ficar difícil.
Qual a diferença da Nação Zumbi pro Combo X, ou de outros projetos como Maquinado, Los Sebosos Postizos ou Afrobombas?
Combo
X é um trabalho que começou na comunidade, é um trabalho social, é um
trabalho de ocupação da garotada que toca. A Nação Zumbi, uma parte dela
vem dessas coisas do social, do trabalho social, que eram os
percursionistas do Lamento Negro, e agente tinha aquela coisa de
inclusão social.
Chico
Science e Nação Zumbi começaram com essas duas bandas Loustal e Lamento
Negro, só que gente assinou com uma grande gravadora, uma multinacional,
que era a Sony, que logo no primeiro disco colocou uma música na
novela, onde todo o Brasil conheceu a música. E o Combo X não tem esse
suporte de ter uma música na novela ou a música tocando nas grandes
rádios do país. Ai é difícil chegar a um nível de conhecimento nacional.
Acho
que não tem diferença não, Nação Zumbi é música, Combo X é música,
Maquinado é Música, Los Sebosos é música e Afrobombas é música, Talvez a
diferença seja geográfica, Chico Science e Nação Zumbi, foram feitos
aqui os primeiros discos, foram compostos aqui em Recife. Maquinado é um
projeto que Lucio Maia fez lá em São Paulo, ele compôs em São Paulo
então tem a vibe de São Paulo, a mesma coisa com o Afrobombas, Jorge
compôs o disco lá, em São Paulo, todos os músicos são de São Paulo, e o
Combo X é enraizado aqui em Olinda, e a vibe vem daqui mesmo e tal, como
era Chico Science e Nação Zumbi.
Quais as perspectivas para a Nação Zumbi daqui pra frente? Vem ai novo disco? Novas idéias?
Vem
ai disco novo patrocinado pela Natura, a novidade é essa, que agora a
Nação Zumbi trabalha com editais, como esse da Natura, pra começar a
fazer uma turnê e viabilizar shows, é isso.
Confira o disco do Combo X - "A Ponte"
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